Ouro Atinge os 3.300 Dólares e Regista Maior Ganho Semanal em Mais de Um Mês com Alerta Fiscal nos EUA a Abalar Confiança dos Mercados

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A trajectória ascendente do ouro nesta semana tornou-se um reflexo claro da desconfiança crescente sobre a sustentabilidade fiscal dos Estados Unidos, à medida que investidores procuram refúgio num activo clássico em tempos de instabilidade. O metal precioso superou os 3.300 dólares por onça, aproximando-se do seu recorde histórico, com um ganho semanal superior a 3%, o maior desde o início de Abril.

O movimento é alimentado por uma combinação de factores que, em conjunto, sinalizam uma deterioração da confiança dos mercados financeiros globais na condução fiscal e económica da maior economia do mundo.

A Fenda no Pilar: Endividamento Histórico e Perda da Nota Máxima

A recente decisão da Moody’s Ratings de retirar aos EUA a classificação AAA marca um ponto de viragem simbólico e técnico. Pela primeira vez em mais de uma década, os três principais avaliadores de risco colocam em dúvida a solvência do governo norte-americano. Essa decisão foi justificada pela trajectória explosiva da dívida pública, que passou de 4,5 biliões de dólares em 2007 para quase 30 biliões actualmente, segundo o Congressional Budget Office.

Além da magnitude da dívida, o seu peso relativo também se agravou: de 35% para 100% do PIB em menos de duas décadas. Isto significa que, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, os EUA operam com um rácio dívida/PIB equivalente ao seu tamanho económico total — um cenário que fragiliza a percepção de sustentabilidade fiscal e obriga o Tesouro norte-americano a pagar prémios mais altos para atrair compradores de dívida.

O “Big, Beautiful Bill” e o Aumento das Preocupações

As preocupações intensificaram-se depois da aprovação pela Câmara dos Representantes dos EUA de um novo pacote legislativo — apelidado por Donald Trump de “big, beautiful bill” — que combina cortes de impostos e aumento da despesa. Com os republicanos no controlo da Câmara (e maioria no Senado), a proposta foi aprovada, incorporando grande parte da agenda económica de Trump, à custa de adicionar triliões de dólares ao défice.

Em paralelo, o Departamento do Tesouro enfrentou procura fraca numa emissão de 16 mil milhões de dólares em obrigações a 20 anos, um sinal inequívoco da deterioração do apetite dos investidores pelos títulos norte-americanos.

Ouro: Do Refúgio Clássico ao Indicador de Crise

Historicamente, o ouro tende a perder atractividade quando os rendimentos das obrigações aumentam, uma vez que o metal não paga juros. Contudo, essa correlação inversa enfraqueceu nos últimos meses. Apesar dos juros em alta — com os títulos a 10 anos a superarem os 4,5% — o ouro continua a subir, impulsionado por um factor mais poderoso: o medo.

Os bancos centrais, por seu lado, têm aumentado as suas reservas em ouro, num movimento de diversificação cambial e geopolítica. As compras oficiais de ouro atingiram níveis recorde no primeiro trimestre de 2025, reflectindo preocupações sobre a estabilidade do dólar enquanto moeda de reserva.

Para os investidores privados, o ouro voltou a representar um porto seguro. O metal valorizou mais de 25% desde o início do ano, e encontra-se actualmente cerca de 200 dólares abaixo do seu pico histórico, alcançado no mês passado.

“O ouro está a reagir ao colapso da confiança no modelo de gestão orçamental dos EUA. Mesmo com juros altos, os investidores estão a fugir para activos tangíveis”, observou Justin Lin, analista da Global X ETFs.

Tensão Geopolítica Agrava Aversão ao Risco

A valorização do ouro não se explica apenas pelos fundamentos económicos. A crescente tensão entre Israel e Irão adicionou uma camada de instabilidade ao panorama global. Segundo um relatório da CNN, Israel prepara-se para atacar instalações nucleares iranianas, levando o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Abbas Araqchi, a alertar que os EUA seriam legalmente responsáveis por qualquer escalada militar.

Este contexto geopolítico acentuado reforça a posição do ouro como instrumento de defesa de capital. Num ambiente de risco múltiplo — fiscal, monetário, militar — os investidores refugiam-se no metal como reserva de valor.

Metais Preciosos em Alta Generalizada

Além do ouro, a prata manteve-se estável nos 33,07 dólares por onça, enquanto o platinum registou um aumento de 0,1% para 1.082,47 dólares e o paládio desvalorizou ligeiramente, fixando-se em 1.012,00 dólares. O destaque vai para o platinum, que alcançou o seu nível mais alto em um ano, impulsionado por perspectivas industriais e restrições de oferta.

O desempenho do ouro nesta semana é um espelho das ansiedades globais: desconfiança fiscal nos EUA, tensão geopolítica no Médio Oriente, e dúvidas sobre a capacidade do dólar em manter-se como activo dominante em tempos de reconfiguração monetária. Para muitos investidores institucionais, o ouro deixou de ser apenas uma reserva de valor — passou a ser uma reserva de confiança.

Se os actuais sinais se agravarem, a trajectória do metal poderá transformar-se numa narrativa de ruptura: entre o dólar e o seu estatuto, entre as dívidas e a disciplina, entre o risco e o real.

Fonte: O Económico

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