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A guerra comercial promovida por Donald Trump domina a agenda da cimeira do G-20 em Durban, eclipsando as prioridades africanas e testando a resiliência do multilateralismo global, com os líderes a lutarem por um consenso num contexto de crescentes tensões geoeconómicas.
Num momento em que os ministros das Finanças do G-20 se reúnem num retiro costeiro nos arredores de Durban, a presidência sul-africana procura, com dificuldade, manter o rumo de uma agenda centrada no alívio da dívida, financiamento sustentável e reforma das instituições financeiras internacionais. A tarefa tem-se revelado hercúlea, num cenário dominado pelas tarifas comerciais unilaterais impostas por Donald Trump e pela ausência dos principais representantes dos Estados Unidos.
O Presidente norte-americano impôs tarifas globais de 10%, com medidas mais severas sobre sectores estratégicos como aço e alumínio (até 50%) e ameaças específicas a produtos originários de países BRICS, elevando os receios de uma nova vaga de proteccionismo. A incerteza instalada empurrou para segundo plano os temas estruturantes propostos pela África do Sul, cuja presidência do G-20, a primeira no continente africano, pretendia colocar a solidariedade e a sustentabilidade no centro da acção multilateral.
Multilateralismo à Prova
“Foi um período difícil”, reconheceu o ministro sul-africano das Finanças, Enoch Godongwana, em entrevista à Bloomberg. Ainda assim, mostra-se esperançoso quanto à obtenção de um comunicado final. “Estamos mais próximos de alcançar um consenso que possa resultar num comunicado conjunto”, afirmou.
Tal posição é partilhada por Lesetja Kganyago, governador do Banco Central sul-africano, que reiterou o compromisso do país em manter viva a agenda africana, mesmo perante a disrupção provocada pela ausência do secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, substituído por um vice-secretário.
“Um comunicado seria uma demonstração de que o multilateralismo continua vivo — mesmo que em estado crítico”, sublinhou Haoliang Xu, administrador interino do PNUD.
Europa, Japão e Canadá Defendem Cooperação
O ministro canadiano François-Philippe Champagne alertou que “a incerteza não pode tornar-se a nova certeza” e defendeu uma agenda concreta centrada em investimento e infraestruturas em África. A Alemanha, por sua vez, advertiu que a União Europeia poderá responder com medidas retaliatórias se as tarifas dos EUA continuarem a escalar.
As delegações europeias e asiáticas criticaram abertamente a política tarifária norte-americana, considerando-a incompatível com os princípios do G-20. “Estas diferenças sobre tarifas e comércio não são úteis e dificultam o consenso”, observou o ministro norueguês das Finanças, Jens Stoltenberg.
Divisões Visíveis, Mas Há Espaço para Convergência
Apesar das ausências e das divisões visíveis, fontes próximas das negociações indicam que existe base de entendimento em matérias como o tratamento da dívida e a cooperação em infraestruturas. No entanto, o debate sobre financiamento climático e desequilíbrios comerciais mantém-se como principal obstáculo, com os EUA e a China nos extremos do desacordo.
O governo chinês resiste a qualquer menção a “desequilíbrios globais”, considerando-a uma crítica velada à sua política externa. Por sua vez, os EUA rejeitam incluir referências a compromissos climáticos ou a instrumentos financeiros para apoio a países em desenvolvimento, retirando apoio a fundos multilaterais.
Pressão da Sociedade Civil
Do lado da sociedade civil, há críticas à falta de ambição da presidência africana. Jenny Ricks, da Fight Inequality Alliance, instou a África do Sul a ser mais audaz. “Não se pode ficar refém de um único membro do G-20. É preciso elevar o nível de ousadia”, afirmou.
A cimeira de Durban revela as fragilidades do G-20 num momento em que o sistema multilateral se encontra sob forte pressão. Com uma presidência africana determinada, mas limitada pela dissonância entre as grandes potências, o grupo tenta, até ao último momento, evitar o fracasso diplomático. Se conseguir aprovar um comunicado conjunto, a África do Sul terá assegurado um feito relevante. Caso contrário, o G-20 poderá ter iniciado uma nova era de fragmentação e alinhamentos regionais, com menos solidariedade e mais competição estratégica.
Fonte: O Económico