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Wednesday, October 29, 2025
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Podemos falar da Inteligência Artificial sem Data Center?

Podemos falar da Inteligência Artificial sem Data Center?

Celestino Joanguete*

Num contexto global cada vez mais moldado pela digitalização e pela inteligência artificial (IA), os data centers afirmam-se como infra-estruturas centrais para o funcionamento das sociedades contemporâneas. De facto, estes centros de dados consistem em instalações físicas que albergam servidores, sistemas de armazenamento, equipamentos de rede e mecanismos de refrigeração, assegurando o processamento, gestão e segurança de grandes volumes de informação digital. Não por acaso, tornam-se essenciais para garantir a operacionalidade de serviços públicos, plataformas digitais, sistemas financeiros, educação e aplicações de IA de última geração.

À medida que a IA se torna mais avançada — sobretudo com as técnicas de machine learning e deep learning —, cresce a exigência por bases de dados extensas, limpas e organizadas. Neste domínio, é imprescindível reconhecer que a informação produzida pela administração pública assume um papel estratégico. A título de exemplo, dados provenientes de registos civis, sistemas de saúde, educação, transportes e serviços administrativos não apenas estruturam as decisões políticas e operacionais, como também alimentam algoritmos de aprendizagem automática. Sem estes dados públicos devidamente digitalizados e acessíveis, o desenvolvimento de soluções inteligentes para previsão de epidemias, gestão urbana ou alocação de recursos torna-se inviável.

Contudo, no caso específico de Moçambique, persistem inúmeros desafios que dificultam a criação e o funcionamento eficiente de data centers nacionais. O mais elementar desses obstáculos é a frágil digitalização de dados. Apesar dos esforços recentes, muitos serviços continuam a operar com arquivos físicos, dificultando a preservação, a interoperabilidade e o acesso estruturado à informação. Assim sendo, torna-se extremamente difícil para sistemas de IA aprenderem, modelarem comportamentos ou optimizarem processos com base em dados públicos, comprometendo o potencial transformador da tecnologia.

Neste contexto, é pertinente destacar o Centro de Dados de Maluana como uma infra-estrutura promissora, mas ainda subaproveitada. Embora disponha de condições técnicas relevantes, o centro não tem sido explorado na sua total potencialidade. Um dos principais factores que limita o seu impacto é o facto de ainda não ter conseguido mobilizar suficientemente as instituições do Estado para digitalizarem e estruturarem os seus dados. A ausência de estratégias nacionais de digitalização e integração de sistemas governamentais impede que o Centro de Maluana desempenhe um papel de relevo no ecossistema tecnológico nacional.

A estes constrangimentos acrescem-se limitações significativas em termos de infra-estrutura energética e tecnológica. Os data centers requerem fornecimento contínuo de electricidade, conectividade estável e segurança cibernética — condições que, infelizmente, nem sempre estão asseguradas em Moçambique, sobretudo fora das capitais provinciais. De igual modo, a baixa cobertura de internet, os custos elevados da energia e a instabilidade no fornecimento eléctrico tornam inviável a manutenção segura e eficiente de centros de dados.

Outro desafio crítico prende-se à escassez de quadros técnicos especializados. O desenho, manutenção e gestão de data centers exigem competências multidisciplinares, que vão desde a engenharia de redes e segurança da informação até à ciência de dados e administração de sistemas. Não obstante os esforços formativos em curso, Moçambique continua dependente de assistência externa, o que limita a soberania digital e acarreta riscos adicionais de segurança e confidencialidade de dados.

Para agravar o cenário, a ausência de um quadro legal claro sobre protecção de dados, responsabilidade algorítmica e ética digital fragiliza o ecossistema tecnológico nacional. Sem normas transparentes e entidades fiscalizadoras eficazes, a confiança da sociedade civil e dos investidores na governança digital fica comprometida. Neste contexto, urge criar um órgão regulador autónomo e dotado de capacidade técnica e jurídica para garantir a integridade da informação e o uso responsável da IA.

Não obstante estes obstáculos, existem oportunidades promissoras que podem ser exploradas de forma estratégica. Desde logo, a criação de parcerias entre universidades, institutos públicos e sector privado para construir data centers de uso compartilhado. Simultaneamente, é crucial investir na digitalização dos serviços da administração pública, com prioridade para áreas como educação, saúde, justiça e segurança social. Ao mesmo tempo, é fundamental garantir que os dados produzidos por essas instituições sejam organizados em formatos abertos e interroperáveis, assegurando o seu aproveitamento em projectos de IA orientados para o bem comum.

Em paralelo, é urgente apostar na capacitação de jovens profissionais nas áreas de ciência de dados, cibersegurança e engenharia de software, criando um ecossistema digital nacional competitivo e sustentável. Além disso, políticas públicas devem promover uma cultura de protecção de dados, responsabilidade algorítmica e transparência institucional, alinhadas com as melhores práticas internacionais.

Portanto, a construção de data centers e a utilização da IA em Moçambique não devem ser vistas apenas como avanços tecnológicos, mas como pilares para uma nova arquitectura da administração pública e da prestação de serviços à população. Para tal, é necessário um esforço coordenado entre Estado, academia, sector privado e sociedade civil. Só assim será possível garantir que os dados públicos — enquanto património colectivo — possam ser transformados em conhecimento útil, decisões mais informadas e políticas públicas baseadas em evidências. Assim sendo, os data centers tornam-se não apenas infra-estruturas técnicas, mas instrumentos estratégicos de soberania, desenvolvimento e justiça social.

* Professor e pesquisador de Media Digitais e da Inteligência Artificial da Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane

Fonte: INTC

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