Por: Sara Seda
Ser moçambicano é um verdadeiro acto de resistência. Acorda-se com boa disposição, cheio de fé e esperança, dizendo: “Hoje vai ser diferente.” Mal sabes que o Universo já combinou contigo um espectáculo de irritações à moda da terra.
O trânsito é sempre o primeiro número desse espectáculo. Tudo pára, buzinas em coro, nervos em alta, e quando se olha para frente… lá está o motivo: um buraco. Um buraco tão antigo que já devia ter bolo de aniversário e direito a um discurso. Os chapeiros, por sua vez, são os filósofos do asfalto, sempre prontos com uma teoria sobre o trânsito, o destino e a vida. Afinal, por aqui, “quem paga pouco, fala pouco”.
No banco, fila que mais parece peregrinação, rostos cansados, e um ar de fé colectiva. Espera-se horas, talvez vidas inteiras, até ouvir a frase nacional: “Não tem sistema.” E pronto. Tudo se desfaz; o sistema não tem sistema e a paciência também não.
Noutro canto da cidade, alguém acorda às quatro da manhã para tratar do Bilhete de Identidade. Enfrenta o frio e o sono, acreditando que cedo madruga quem quer documento. Às sete, chega o funcionário, calmo, sereno e implacável, para anunciar: “As senhas esgotaram. Volte amanhã.”. Como se a vida não tivesse outras voltas para dar.
Nos mercados, os preços disparam de 20 meticais para 100 meticais pelo mesmo produto. É a inflação instantânea, um fenómeno puramente nacional e impossível de explicar ao estrangeiro. E, no fim, quando o dia termina, ainda ouves falar de salas de aula debaixo da árvore, de doentes que pagam por consultas gratuitas e de burocracias que exigem papel até para pedir papel.
Mesmo assim, o moçambicano segue, pois, entre o trânsito parado, o “não tem sistema” e o custo de vida que sobe mais depressa do que o salário, há sempre espaço para uma gargalhada cansada, daquelas que dizem: “Irritações? “É o que há.”






