Resumo
Desde o século XIX até aos dias de hoje, o mundo confronta-se novamente com a dicotomia entre a interdependência económica e políticas protecionistas, com a história a demonstrar como o nacionalismo ressurge em tempos de crise no livre-comércio. A atual onda de nacionalismo económico no comércio global ecoa profundamente na história, relembrando que a globalização é um ciclo de avanços e recuos moldado por crises, rivalidades e ideais económicos. Durante a primeira era da globalização, entre 1840 e o início do século XX, marcada por inovações tecnológicas e liberalismo, surgiram guerras comerciais e rivalidades imperiais, com a Grã-Bretanha a liderar a defesa do livre-comércio, enquanto Friedrich List advogava por protecionismo industrial. Após a Grande Depressão de 1873-1896, o protecionismo e o colonialismo ganharam terreno, com tarifas elevadas e monopólios a serem implementados para controlar mercados e matérias-primas, culminando no surgimento do capitalismo monopolista e na corrida colonial.
Do século XIX à actualidade, o mundo volta a enfrentar a contradição entre interdependência económica e políticas proteccionistas. A história da “primeira globalização” mostra como o impulso nacionalista reaparece sempre que as crises testam os limites do livre-comércio.
Os ventos do nacionalismo económico que hoje sopram sobre o comércio mundial têm ecos profundos na história. Tal como há dois séculos, a tensão entre interdependência global e protecção dos interesses nacionais volta a moldar as políticas económicas, recordando que a globalização, longe de ser linear, é um ciclo de avanços e recuos impulsionado por crises, rivalidades e utopias económicas.
Entre 1840 e o início do século XX, o mundo viveu a primeira era da globalização, impulsionada por inovações tecnológicas — do navio a vapor ao cabo transatlântico — e por um entusiasmo liberal que prometia unir nações pelo comércio. No entanto, o período ficou também marcado por guerras comerciais, barreiras tarifárias e rivalidades imperiais.
O historiador Marc-William Palen, autor de Pax Economica: Left-Wing Visions of a Free Trade World, observa que “a primeira globalização foi um conjunto de contradições — mercados cada vez mais integrados coexistiam com impérios crescentemente proteccionistas”.
Durante as décadas de 1840 a 1860, a Grã-Bretanha liderou a cruzada pelo livre-comércio, abolindo as Leis do Milho (Corn Laws) e assinando o Tratado Comercial Cobden-Chevalier com a França, que inaugurou uma rede de acordos e abriu caminho à primeira “zona económica comum” da Europa.
Contudo, Friedrich List, economista germano-americano, contestou o ideal cosmopolita de Richard Cobden. Na sua obra O Sistema Nacional de Economia Política (1841), defendeu tarifas elevadas e protecção às indústrias nascentes, denunciando a hipocrisia britânica de pregar o livre-comércio após ter alcançado o poderio industrial sob proteccionismo.
“Os britânicos”, advertia List, “subiram a escada do proteccionismo e agora querem chutá-la para que ninguém mais alcance o topo.”
As suas ideias ganhariam força após a Grande Depressão de 1873–1896, quando o colapso de preços e a deflação induzida pelo padrão-ouro devastaram agricultores e pequenas indústrias. O protecção e o colonialismo tornaram-se as respostas políticas dominantes, e os impérios multiplicaram tarifas e monopólios para controlar mercados e matérias-primas.
Nos Estados Unidos, o Acto McKinley (1890) elevou tarifas a níveis recorde; na Alemanha, Bismarck consolidou os estados germânicos sob uma muralha aduaneira; e na Rússia, Sergei Witte lançou a linha ferroviária transiberiana para sustentar as ambições industriais e coloniais do império czarista.
A génese do monopólio capitalista
O final do século XIX assistiu ao surgimento do que J. A. Hobson descreveria mais tarde como monopoly capitalism — uma aliança entre cartéis industriais e poder imperial. O resultado foi a corrida colonial em África e na Ásia e um sistema económico cada vez mais dominado por trusts e conglomerados.
Em contraponto, reformadores liberais e pacifistas procuraram alternativas. Henry George, com o seu Progress and Poverty (1879), propôs o “imposto único” sobre o valor fundiário, que inspirou Tolstói e até influenciou Sun Yat-Sen na China republicana. A crítica de Hobson ao imperialismo (1902) e o alerta de Norman Angell em The Great Illusion (1910) — de que nenhum país pode vencer num mundo interdependente — prefiguraram a tragédia da Primeira Guerra Mundial.
De ontem a hoje: o regresso do proteccionismo
As semelhanças com o presente são evidentes. Tal como no século XIX, o período posterior ao fim da Guerra Fria viveu uma fase de liberalização sem precedentes, seguida por uma onda de nacionalismo económico após a crise financeira global de 2008-2009.
Hoje, como então, os países tentam conciliar autonomia estratégica com cadeias de valor globais cada vez mais complexas. A retórica proteccionista cresce, mas a interdependência tecnológica — de semicondutores à inteligência artificial — impede uma ruptura total.
“A história não acabou”, escreve Palen. “E continua a ser o melhor guia. A primeira globalização ensina que apenas a cooperação internacional pode travar o ciclo de crises e rivalidades alimentado pelo nacionalismo económico.”
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p style=”margin-top: 0in;text-align: justify;background-image: initial;background-position: initial;background-size: initial;background-repeat: initial;background-attachment: initial”>Duzentos anos depois, as contradições da globalização persistem: mercados interligados e políticas fragmentadas. A história mostra que o desafio não é escolher entre proteccionismo ou interdependência, mas encontrar equilíbrio entre soberania e cooperação, condição essencial para evitar que a economia volte a transformar-se em palco de conflitos.
Fonte: O Económico






