Os antigos Chefes de Estado, Joaquim Chissano e Filipe Nyusi, e o antigo Presidente do Conselho Constitucional, Hermenegildo Gamito, defendem a necessidade de aprimorar os mecanismos que garantam a independência e a inviolabilidade da Constituição da República.
À volta da fogueira, as histórias são partilhadas e tudo é dito sem rodeios. Foi por estas razões que o Conselho Constitucional acendeu o lume e convidou para a lareira os intervenientes directos na criação e nas revisões constitucionais. Antes, contudo, era importante explicar os objectivos da sessão.
Esta narrativa oral carrega, para além dos factos, nuances que escapam aos registos escritos. “O tema é um convite para recontar a história constitucional através de diferentes vozes, onde as verdades serão reveladas e revividas à luz do tempo e da experiência dos autores das constituições”, explicou Lúcia Ribeiro, Presidente do Conselho Constitucional.
À volta da fogueira, Joaquim Chissano, descrito como o “pai da Constituição”, recordou que a primeira Constituição, concebida em 1975, após a Independência, traduzia o desejo popular, numa altura em que os redactores tinham ainda pouca experiência.
“Resumindo, aquilo que o povo moçambicano queria está na Constituição. E tínhamos de ver como podíamos utilizar as experiências da nossa governação nas zonas libertadas para elaborarmos esta primeira Constituição. E assim permitiu-se a proclamação da Independência. Não tivemos de fazer comparações para optar se seríamos nós a proclamar ou não. É que éramos nós que tínhamos de proclamar, porque éramos nós que tínhamos ganho a legitimidade”, afirmou Joaquim Chissano.
Depois disso, a Constituição da República conheceu três revisões: em 1990, 2004 e 2018. Hermenegildo Gamito, que conduziu a Comissão Revisora da Constituição de 2004, recordou que nessa altura já se debatia o excesso de poderes concentrados no Presidente da República.
“O anteprojecto, porque se debatia muito a separação de poderes e a retirada de poderes ao Presidente, apresentava a solução do semipresidencialismo puro: chefe do Governo, primeiro-ministro. E quando fomos aprovar numa reunião realizada no Clube Militar a Assembleia da República estava em obras surgiu um discurso a dizer o seguinte: ‘em África, o chefe é quem manda; portanto, não há que retirar poderes ao Presidente’. Era o pensamento que pairava na altura”, lembrou Gamito.
Diz-se que a proposta de mudança partiu da bancada parlamentar da Renamo, mas Manuel Franque tem outra percepção. Segundo o Juiz Conselheiro Jubilado do Conselho Constitucional, “a Frelimo também pensava assim, só que nunca o disse abertamente. E notem que, quando Arnold faz cair essa revisão com o ‘tsunami’ de 1999, a Frelimo não contrariou, ficou calada. Porquê? Porque também lhe interessava que o Presidente mantivesse os poderes que tinha. E, como já foi referido aqui, dizia-se que o Chefe de Estado tinha poderes excessivos”.
Na continuidade da conversa, coube ao antigo Presidente da República, Filipe Nyusi, relatar os ganhos e desafios das conversações que culminaram na actual revisão constitucional.
“Defendemos que havia necessidade de descentralizar os órgãos, porque queríamos dar autonomia administrativa, financeira e patrimonial. Durante esse processo, percebemos que certos aspectos deveriam permanecer sob responsabilidade da Secretaria de Estado, como questões de soberania, legislação, política nacional, defesa, diplomacia, entre outras. Durante a implementação, surgiram conflitos”, disse Filipe Nyusi.
A revisão constitucional de 2018 voltou a ser fruto de negociações entre o Governo e a Renamo, que considera que a revisão não foi suficientemente abrangente, deixando de fora questões económicas.
“Poderíamos considerá-la pontual se o ponto de vista for temporal, mas não pontual no conteúdo, porque trouxe transformações relevantes no funcionamento do Estado. Passámos de um modelo centralizado para um modelo descentralizado, o que é uma mudança substantiva. A confiança que já existia entre as lideranças fez avançar mais rapidamente o processo de revisão constitucional, o que também deu mais segurança à Renamo para avançar no desarmamento, sem receio de recuos. Lembro-me de termos passado dias a discutir um único termo: ‘ouvido e consultado’”, explicou Eduardo Namburete, actual Embaixador de Moçambique na Argélia.
Entre conversas descontraídas e relatos sobre a evolução constitucional, os intervenientes defenderam a necessidade de preservar a Constituição como garante da soberania do país.