27.1 C
New York
Tuesday, November 25, 2025
InícioEconomiaMoçambique e as armadilhas da dependência: o alerta de uma nova geração

Moçambique e as armadilhas da dependência: o alerta de uma nova geração

Resumo

O livro "Moçambique e as Armadilhas da Dependência", de Justino Nhare, lança luz sobre a dependência económica estrutural do país nos últimos 50 anos, desafiando a ideia de que a independência económica deve ser um objetivo constitucional e não apenas uma questão conjuntural ligada a mandatos presidenciais. Nhare destaca a dependência diária de ajuda externa para financiar setores essenciais, como saúde e educação, representando uma limitação à autonomia decisória de Moçambique. O autor argumenta que o país continua a depender de recursos externos para áreas que deveriam ser pilares da soberania nacional, alertando para a necessidade de um compromisso constitucional para garantir estabilidade e evitar a descontinuidade de políticas públicas.

O debate sobre o futuro económico de Moçambique volta a ganhar intensidade com o lançamento do livro Moçambique e as Armadilhas da Dependência, a primeira obra de Justino Nhare, um jovem investigador que decide enfrentar de frente um dos temas mais sensíveis da história recente do país: a dependência económica estrutural. A obra, já disponível para venda e com lançamento oficial agendado para o dia 28 deste mês, propõe uma leitura crítica e profundamente documentada sobre os últimos 50 anos, analisando caminhos, escolhas e fragilidades que moldaram a trajectória económica do país.

Desde as primeiras páginas, Nhare apresenta uma tese que desafia a forma como Moçambique tem pensado o seu desenvolvimento: a independência económica não pode continuar a ser um objectivo conjuntural, associado ao mandato de um Presidente da República. Para o autor, este deve tornar-se um imperativo constitucional. A ideia é clara — só um compromisso inscrito na Constituição garante continuidade, estabilidade e blindagem contra a descontinuidade de políticas públicas que tem marcado várias fases da governação.

A obra parte de uma análise histórica rigorosa. Nhare revisita momentos-chave, desde o pós-independência até à actualidade, para explicar como Moçambique se tornou um país estruturalmente dependente de ajuda externa e endividamento contínuo. O autor sublinha que esta dependência não é um fenómeno abstracto. Ela manifesta-se diariamente na forma como o Estado financia sectores essenciais. “O nosso orçamento, quase 22%, depende da ajuda externa”, afirma. E, para ele, esta dependência financeira traduz-se numa dependência política que limita a autonomia decisória do país em áreas sensíveis como saúde, educação e infraestruturas.

Nhare alerta para o que considera ser a contradição central do modelo económico actual: Moçambique continua a depender de recursos externos para financiar sectores que deveriam ser pilares da soberania nacional. Segundo o autor, sempre que um doador financia um sector estratégico, influencia também prioridades, ritmos, critérios de implementação e até visões de desenvolvimento. Para Nhare, este mecanismo, ainda que não declarado, cria um tipo de tutela indirecta sobre o país, dificultando a construção de um projecto verdadeiramente autónomo.

Outro eixo central da obra é a análise do endividamento externo. Aqui, Nhare é particularmente incisivo. Considera que, sem uma mudança profunda na forma como o país avalia, contrai e gere dívida pública, Moçambique permanecerá preso num ciclo que consome mais do que produz. “A dívida tornou-se uma nova forma de colonização”, afirma, sublinhando que o problema não está apenas no montante total da dívida, mas na falta de correspondência entre esse endividamento e o retorno económico real gerado pelos projectos financiados.

A obra discute, com exemplos e dados, como sucessivos governos contraíram dívidas cujo impacto económico foi limitado, criando encargos duradouros para o país e expondo Moçambique a vulnerabilidades adicionais. Nhare argumenta que o país precisa de avaliar melhor a sua capacidade de endividamento e exigir maior rigor na aprovação de projectos financiados externamente. “É importante rever as formas e o tipo de endividamento, medir a capacidade do país e garantir que cada dívida tenha retorno real”, defende.

Embora a crítica ao passado seja firme, Justino Nhare recusa um discurso pessimista. Pelo contrário, o livro propõe uma agenda de futuro, sustentada em reformas estruturais e na necessidade de transformar a independência económica num compromisso nacional. Para o autor, esse compromisso precisa de estar explicitamente inscrito na Constituição para impedir que mudanças de governo signifiquem mudanças bruscas de orientação económica. “É preciso garantir que nenhum presidente venha a remover o plano de independência económica”, afirma, defendendo que o país precisa de uma visão de longo prazo protegida de ciclos eleitorais.

Um dos pontos mais fortes da obra é o capítulo dedicado à juventude. À semelhança de vários estudiosos africanos contemporâneos, Nhare defende que a juventude deve assumir o centro da agenda económica e não ser tratada como um problema a resolver. Para o autor, o país tem desperdiçado talento, criatividade e energia que poderiam transformar sectores-chave. “O jovem não pode ser uma opção; tem que ser o ponto fulcral das políticas públicas”, diz. Para ele, cada jovem à procura de oportunidades representa uma potencial solução económica, e não um desafio social.

Nhare recusa a narrativa de que os jovens são um grupo passivo à espera de emprego formal. Defende que a juventude moçambicana é um activo estratégico que deve ser chamado para o centro da discussão económica, desde a inovação tecnológica à agro-indústria, passando pelo empreendedorismo e pelas novas economias verdes. Essa abordagem, segundo o autor, poderia romper com o ciclo de dependência que marca a história recente do país e abrir espaço para um modelo económico mais vibrante, moderno e auto-sustentado.

O livro também confronta práticas e modelos de governação que, segundo o autor, têm contribuído para a descontinuidade de políticas públicas e para a fragilidade institucional. Nhare alerta que iniciativas económicas que mudam com a alternância de titulares não criam raízes. Por isso, insiste que a constitucionalização da independência económica é a única forma de garantir que o país siga um caminho coerente e consistente, independentemente das conjunturas políticas.

À medida que avança, a obra ganha profundidade conceptual, propondo uma reflexão sobre democracia económica, soberania financeira e gestão estratégica dos recursos naturais. Nhare sublinha que Moçambique não pode limitar-se a ser um país exportador de matérias-primas sem valor acrescentado. O autor defende a necessidade de transformar a estrutura produtiva e de investir em sectores que criem riqueza duradoura.

Com uma escrita acessível, mas intelectualmente exigente, Moçambique e as Armadilhas da Dependência chega num momento crucial para o país. A economia enfrenta desafios profundos: inflação, dificuldades de financiamento externo, dívida pública elevada, fraco investimento privado e uma juventude maioritariamente desempregada. É neste contexto que o livro surge como um convite à reflexão nacional, numa altura em que o debate sobre soberania, finanças públicas e rumo económico se torna imprescindível.

O lançamento oficial será no dia 28 deste mês, mas a obra já circula e, segundo previsões, deverá estimular conversas intensas entre economistas, políticos, académicos e cidadãos interessados no futuro do país. Justino Nhare, pertencente a uma nova geração de pensadores, coloca uma pergunta que ressoa ao longo das mais de 200 páginas: “Que Moçambique queremos construir nos próximos 50 anos?”

O livro não oferece respostas fáceis — mas oferece pistas essenciais. E promete ser o ponto de partida para uma discussão que o país já não pode adiar.

Fonte: O País

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor, digite seu nome aqui
Por favor digite seu comentário!

- Advertisment -spot_img

Últimas Postagens

Fase piloto de integração digital no SERNAP: Pelo menos 5 mil...

0
Até dezembro, serão introduzidas cinco mil pulseiras eletrónicas no Serviço Nacional Penitenciário, numa fase piloto de integração digital. A implementação...
- Advertisment -spot_img