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Tuesday, December 2, 2025
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Por que a Guiné-Bissau continua presa no ciclo de golpes de Estado?

Resumo

A Guiné-Bissau tem enfrentado ciclos de instabilidade política desde o golpe militar de 1980, quando o exército se tornou um ator político constante. A transição para o multipartidarismo nos anos 90 intensificou rivalidades políticas, levando a uma guerra civil em 1998-1999 que expôs as fragilidades do Estado. Mesmo com tentativas de reconstrução, as instituições civis continuaram fracas e dependentes de apoio externo. Em 2003, outro golpe derrubou o presidente devido a uma crise económica e falhas de governação, reforçando a ideia de que o exército era a única solução. A instabilidade persistiu, com instituições frágeis, partidos divididos e uma economia debilitada.

Por: Alfredo Júnior

A Guiné-Bissau parece condenada a repetir os mesmos ciclos de instabilidade política, como se, a cada nova eleição, o risco de ruptura institucional pairasse sobre o país. Desde o primeiro golpe militar, a 14 de Novembro de 1980, quando o então primeiro-ministro, João Bernardo Vieira, depôs o presidente Luís Cabral, a nação viu desmoronar o projecto de unidade com Cabo Verde e traçou um caminho de intervenções militares no poder que dificilmente permitiu consolidar uma estabilidade duradoura.

O golpe de 1980 inaugurou uma tradição lamentável: o exército tornou-se actor político permanente, e as elites militares transformaram-se num dos pilares do poder no país. A transição para o multipartidarismo na década de 1990, longe de fortalecer a governação civil, intensificou rivalidades políticas e dividiu a sociedade entre facções quase sempre dispostas a recorrer à força quando seus interesses eram contrariados.

Esta fragilidade institucional explodiu com a guerra civil de 1998–1999, um conflito que expôs as profundas fissuras do Estado. A economia já estava debilitada, o Estado mostrava-se incapaz de garantir serviços básicos e a ideia de uma democracia funcional parecia distante. Mesmo quando houve interrupções e tentativas de reconstrução, o problema de fundo nunca foi resolvido: as instituições civis continuavam fracas, dependentes de apoios externos ou de favores políticos, e incapazes de garantir governabilidade.

Em 2003, o golpe liderado por Veríssimo Correia Seabra derrubou o presidente Kumba Ialá, numa reacção violenta a uma crise económica, à instabilidade e às falhas de governação. A promessa de restauração e mudança durou pouco. O resultado foi a consolidação de uma ideia perigosa: que o exército era a “única solução” quando a elite política ou o governo civil mostrava incapacidade de governar.

Mesmo entre os períodos “democráticos”, a sombra da instabilidade nunca desapareceu. Com instituições frágeis, partidos divididos e uma economia dependente, a Guiné-Bissau enfrentava desafios constantes. As alternâncias de governos, muitas vezes com mandatos incompletos, impediam qualquer plano de longo prazo. A sociedade civil, ao longo dos anos, tentou assumir papéis de mediação e pressão por reformas, mas, sem presença constante ou apoio internacional duradouro, o impacto foi limitado.

O golpe de 2012, com militares ocupando meios de comunicação, prenderem dirigentes políticos e interromperem o processo eleitoral, evidenciou claramente que, para muitos no aparelho militar, o controle do Estado não dependia de votos, mas da força e da imposição. A promessa de normalização democrática que se seguiu foi frágil e temporária.

Chegamos a 2025 e, mais uma vez, oficiais do exército declararam ter assumido o poder, anunciando “controle total” sobre o país, suspendendo o processo eleitoral e colocando em xeque qualquer possibilidade de alternância pacífica e institucional. Mais uma vez, os fantasmas do passado manifestam-se e mostram que, sem mudanças estruturais profundas, a instabilidade continua a ser a marca registada do país.

Esta repetição incessante não é coincidência. É reflexo de décadas em que a política se entrelaçou com o poder militar, em que as instituições democráticas não foram suficientemente desenvolvidas para conter a ambição das elites armadas, e em que economias frágeis e dependência externa abriram espaço para interesses informais às vezes criminosos influenciarem directamente o destino da nação. A Guiné-Bissau se tornou um Estado em que ganhar eleições muitas vezes não significa governar, e em que governar nem sempre assegura paz, desenvolvimento ou justiça.

Se há algo que a história da Guiné-Bissau demonstra, é que os golpes não são rupturas isoladas: são parte de um padrão estrutural, enraizado no modelo de Estado, nas divisões internas, nas desigualdades e nas vulnerabilidades económicas. Quebrar esse ciclo exigiria mais do que mudanças superficiais exigiria uma profunda reforma institucional, uma redefinição do papel das Forças Armadas, e um compromisso real com a justiça, a transparência e o desenvolvimento social.

Porque até hoje, cada vez que se ergue uma nova bandeira de esperança, as armas continuam à espreita para reescrever a história.

 

 

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