A Tanzânia, historicamente vista como um dos países mais estáveis de África, mergulhou numa nova crise política e social após a reeleição da presidente, Samia Suluhu Hassan.
O processo eleitoral, marcado por protestos violentos, repressão policial e denúncias de fraudes, resultou em centenas de mortos e feridos, colocando o país no centro das atenções internacionais e levantando sérias preocupações sobre o futuro da democracia no continente.
As imagens de manifestantes sendo dispersos com violência, o bloqueio das redes sociais e as detenções arbitrárias de líderes opositores estão a correr o mundo. Manchetes internacionais como “A mais nova ditadora feminina em África” e “Massacre na Tanzânia” reflectem a indignação e o espanto global diante da escalada de tensão no país.
Em Moçambique, analistas políticos reagiram com preocupação, descrevendo o que consideram ser um retrocesso grave no processo democrático tanzaniano. Para o analista Marcelino Pangaia, o que se observa “não é apenas um conflito eleitoral, mas sim a demonstração clara de que o poder político continua a ser exercido em muitos países africanos de forma autoritária e sem respeito pelas regras democráticas”, alerta.
“O que estamos a assistir na Tanzânia é o enfraquecimento das instituições democráticas e o regresso de práticas de repressão e silenciamento da oposição. É um quadro vergonhoso e profundamente preocupante para o futuro político de África”, sublinhou Pangaia.
O politólogo, Luca Bussotte, aponta que os acontecimentos recentes constituem um momento sombrio e devem servir de alerta para todo o continente, lembrando que a democracia em África continua a enfrentar desafios estruturais graves.
“Esta crise sombria mostra o quanto ainda somos vulneráveis. Falta-nos maturidade política, instituições sólidas e mecanismos de transição pacífica de poder. A cultura da violência e do medo, enraizada em muitos governos, ameaça destruir os frágeis avanços democráticos que se alcançaram nas últimas décadas”, advertiu Bussotte.
Para o analista, a situação tanzaniana é “um espelho onde muitos países africanos deveriam olhar-se”. Ele reforça que, sem vontade política e sem pressão da sociedade civil, a alternância democrática continuará a ser uma miragem.
O analista, Alves Mulungo, vê com algum optimismo a reacção inicial da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), que emitiu uma nota a apelar à calma e ao respeito pelos direitos humanos. No entanto, alerta que é preciso ir além dos comunicados de circunstância.
“A SADC precisa de deixar de ser um mero observador e assumir-se como um verdadeiro mediador regional. É necessário agir antes que os conflitos atinjam dimensões incontroláveis. A diplomacia preventiva é a chave para evitar tragédias como esta”, afirmou Mulungo.
O especialista destacou ainda que a crise tanzaniana expõe “a fragilidade dos mecanismos de integração regional africana”, que muitas vezes se mostram impotentes perante situações de instabilidade política nos seus Estados-membros.
FORTALECER SISTEMAS ELEITORAIS EM ÁFRICA
Na mesma linha, o analista Jaime Saia, considera que o que se passa na Tanzânia “não é um caso isolado, mas sim parte de um ciclo contínuo de erosão democrática” que se tem repetido em várias nações africanas.
“Vemos o mesmo cenário em países diferentes: líderes que se perpetuam no poder, eleições contestadas, repressão da oposição e silêncio das instituições regionais. A Tanzânia é apenas mais um exemplo trágico dessa tendência”, frisou Saia.
Para o especialista, a crise serve como um alerta urgente para que os países africanos invistam na educação cívica, no fortalecimento dos sistemas eleitorais e no respeito pelo Estado de Direito.
Os analistas moçambicanos convergem na ideia de que a África precisa repensar o seu modelo de governação, reforçando os pilares democráticos e a protecção dos direitos humanos. A violência política, afirmam, tornou-se uma “linguagem comum” que mina a credibilidade dos governos e afasta os cidadãos da participação cívica.
“Sem democracia efectiva, sem justiça e sem respeito pela vontade popular, o continente continuará refém da instabilidade. Precisamos de líderes comprometidos com o povo e não com o poder”, concluiu Marcelino Pangaia.
Os observadores internacionais alertam para riscos de isolamento diplomático, colapso da confiança internacional e agravamento das tensões internas, caso o governo não adopte medidas urgentes de reconciliação.
Enquanto as ruas de Dar es Salaam e Dodoma continuam sob forte presença militar, famílias choram as vítimas da repressão e líderes regionais buscam soluções diplomáticas.