Resumo
Na COP30, em Belém do Pará, o Presidente sul-africano Cyril Ramaphosa reitera a necessidade de reformar o sistema financeiro multilateral para adequar os mecanismos de financiamento às realidades africanas. A África do Sul, que preside o G20 este ano, defende um financiamento climático mais justo e adaptado ao continente, destacando a disparidade entre os recursos solares africanos e o investimento em energia limpa. O país busca reformas nas instituições financeiras multilaterais para atrair capital em condições favoráveis ao desenvolvimento. Após uma crise energética, a África do Sul abriu o setor elétrico a produtores privados, impulsionando investimentos em energia solar e eólica. Apesar dos avanços, o país ainda depende do carvão para 80% da eletricidade, enfrentando desafios na transição energética devido ao desemprego elevado.
Na COP30, em Belém do Pará, o Presidente sul-africano Cyril Ramaphosa volta a exigir a reforma do sistema financeiro multilateral e a criação de mecanismos de financiamento adaptados às realidades e prioridades africanas.
A África do Sul chega à COP30, em Belém do Pará, com uma agenda assertiva: exigir financiamento climático mais justo, previsível e ajustado às realidades africanas. O país, que ocupa este ano a presidência do G20, posiciona-se como voz activa na defesa de uma reforma do sistema financeiro multilateral, procurando equilibrar a urgência da descarbonização com as exigências de desenvolvimento económico e inclusão social.
Um Novo Momento Para a Transição Africana
Três anos depois de ter garantido um pacote inicial de 8,5 mil milhões de dólares no âmbito da Parceria para uma Transição Energética Justa (JETP), a África do Sul assume agora uma postura diferente: quer redefinir os termos do financiamento internacional, denunciando a dependência excessiva de empréstimos e as condicionalidades impostas por parceiros externos.
O país destaca que África detém cerca de 60 % dos recursos solares de melhor qualidade do mundo, mas atrai apenas 3 % do investimento global em energia limpa — uma disparidade que, segundo Pretória, compromete os objectivos da transição e perpetua assimetrias económicas.
Desde então, o governo sul-africano tem procurado capitalizar a visibilidade da presidência do G20 para impulsionar reformas nas instituições financeiras multilaterais e atrair capital em condições mais favoráveis ao desenvolvimento africano.
De Crise Energética a Viragem Estrutural
Quando a JETP foi lançada, em 2021, a África do Sul encontrava-se no auge de uma crise energética profunda, marcada por apagões contínuos e perda de confiança na estatal Eskom. Essa crise forçou uma viragem de política: o governo abriu o sector eléctrico a produtores privados, provocando um aumento expressivo do investimento em energia solar e eólica.
Há uma década, as energias renováveis representavam menos de 1 % da matriz energética do país; hoje já compõem uma parcela crescente do sistema. O novo plano energético nacional prevê duplicar a capacidade de geração em 15 anos, reduzir o uso de carvão em 50 % e construir 14 mil quilómetros de novas linhas de transmissão, sustentadas por investimentos estimados em 2,2 biliões de rands (aproximadamente 126,8 mil milhões de dólares).
“Estamos a abrir a geração à concorrência e a privilegiar soluções de menor custo”, afirmou Crispian Olver, director executivo da Comissão Presidencial para o Clima. “Como a energia solar e a eólica já são as fontes mais baratas, a transição é simultaneamente racional do ponto de vista económico e positiva para as emissões.”
O Desafio do Financiamento e da Justiça Social
Apesar dos avanços, a África do Sul continua dependente do carvão para cerca de 80 % da sua electricidade, e regista uma taxa de desemprego de 32 %, o que torna a transição um processo sensível. O governo insiste que a transição energética deve proteger os trabalhadores e as comunidades ligadas à economia carbonífera, sobretudo na província de Mpumalanga, coração da mineração sul-africana.
O encerramento da central de Komati, em 2022, foi simbólico. Nenhum trabalhador permanente perdeu o emprego, mas a comunidade local sofreu um colapso económico imediato. “O encerramento foi devastador para a economia local. Até surgirem alternativas viáveis, as populações continuarão dependentes do carvão porque não têm outra escolha”, observou Janet Cherry, professora da Universidade Nelson Mandela.
O governo garante, contudo, ter aprendido a lição. Novos projectos de diversificação económica e reconversão industrial estão a ser lançados em regiões mineiras, envolvendo empresas locais e iniciativas de economia circular. “Há uma procura crescente para participar na economia verde. O desafio é garantir que as novas indústrias sejam viáveis, escaláveis e enraizadas nas comunidades afectadas”, afirmou Joanne Yawitch, directora da unidade de Transição Energética Justa.
Reforma Financeira e Liderança Africana
Para o Presidente Cyril Ramaphosa, a questão central não é apenas ambiental, mas estrutural e financeira. O líder defende que a ajuda internacional não deve substituir uma dependência por outra, mas capacitar os países africanos a definirem os seus próprios caminhos de desenvolvimento.
Desde que assumiu a presidência do G20, Ramaphosa tem usado o palco global para pressionar as maiores economias a reformar o financiamento climático, tornando-o mais acessível, menos oneroso e mais alinhado com as prioridades regionais.
A Comissão Europeia, através da Global Gateway Initiative, comprometeu-se a mobilizar 150 mil milhões de euros até 2027 para África, incluindo 545 milhões de euros destinados a projectos de energia verde. Ainda assim, Pretória considera que o modelo actual de financiamento permanece desequilibrado e dependente de critérios externos.
Mobilizar Capital Privado e Mitigar Risco
Segundo Mark Napier, director executivo da agência de desenvolvimento FSD Africa, a transição energética africana exigirá mais de 200 mil milhões de dólares anuais em investimento, dos quais três quartos poderão vir do sector privado, caso existam mecanismos eficazes de mitigação de risco.
Entre as soluções em estudo está um programa-piloto do International Development Finance Club, que permitirá aos bancos de desenvolvimento nacionais emprestar em moeda local, reduzindo a exposição cambial e incentivando o investimento interno.
Olver considera estes instrumentos “potencialmente transformadores”, sublinhando que o acesso a financiamento previsível e em condições adequadas é a chave para uma transição justa e sustentável.
África No Epicentro da Transição Global
O sucesso ou fracasso da África do Sul poderá ter repercussões para todo o continente. Se Pretória conseguir provar que é possível reduzir emissões e criar empregos simultaneamente, abrirá um caminho viável para outras economias africanas enfrentarem o mesmo dilema entre ambição climática e realidade social.
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p style=”margin-top: 0in;text-align: justify;background-image: initial;background-position: initial;background-size: initial;background-repeat: initial;background-attachment: initial”>Na COP30, o país pretende demonstrar que a transição energética em África não é apenas uma questão de emissões, mas de desenvolvimento humano e económico. O desafio é garantir que o continente — rico em recursos e potencial — não fique, uma vez mais, à margem do investimento global, mas que seja protagonista da sua própria transição.
Fonte: O Económico






