1937-2025 Recordações de Pinto da Costa: «Muito me achincalharam naquela noite…»

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De 1975 a 1980, Pinto da Costa esteve envolvido em diversas lutas. Internas e externas. Ganharia todas. Morreu este sábado, aos 87 anos. Recordamos aqui histórias da sua vida, muitas pelas suas próprias palavras

«Largos dias têm cem anos, professor»

Um dia, em abril de 1976, Pinto da Costa reuniu-se no café Orfeu José Maria Pedroto, Hernâni Gonçalves e Valentim Loureiro e ainda um pequeno grupo de amigos comuns: «Estavam todos a troçar do FC Porto. Tínhamos perdido jogo em casa contra equipa de segundo plano, ao passo que o Boavista se mantinha em segundo lugar no campeonato, com grandes exibições. Como se não bastasse, o FC Porto perdera, na véspera, precisamente para o Boavista, a possibilidade de adquirir o passe do Albertino, talento que despontava no Leixões. Muito me achincalharam naquela noite. Até que, por volta das duas da manhã, me levantei da mesa e Hernâni Gonçalves, talvez o mais comedido do grupo, me perguntou: ‘Então, Jorge Nuno, não diz nada?’ — e eu respondi: ‘Largos dias têm cem anos, professor’. Fixem esta frase. Na manhã seguinte, depois de noite mal dormida, encontrei-me com o doutor Américo de Sá, que me tinha convidado para diretor do futebol e a quem eu tinha dito que não, e afirmei que alterava a minha resolução. Ele perguntou-me o que se tinha passado para eu ter mudado de ideia; eu narrei-lhe o episódio da véspera e disse: Temos de alterar isto e vai ser agora…»

Outubro de 1975

«Quer ser nosso treinador para o ano?»

Dois dias depois de uma conversa no café Orfeu, Pinto da Costa marcou encontro com José Maria Pedroto. «’Quer ser nosso treinador para o ano?’, atirei-lhe de chofre. E ele aceitou. A 30 de janeiro de 1976, embora ainda estivéssemos a meio da época, o Pedroto era treinador do FC Porto. E passámos horas a planear tudo, ao mais ínfimo pormenor. E acreditámos cegamente que iríamos ter êxito…»

Janeiro de 1976

A entrada no futebol

Ainda com Américo de Sá como presidente do FC Porto, em 1976, deu-se a total integração de Pinto da Costa no futebol profissional como chefe do departamento. A sua primeira decisão é contratar Pedroto. Para isso, teria de convencer os sócios, em Assembleia Geral, a levantarem a interdição do treinador para voltar ao clube.

Abril de 1976

O primeiro troféu

Logo nesse ano, com a reunião de Pedroto e Pinto da Costa, voltaram os títulos: nove anos depois da última vitória na Taça de Portugal (1967/68, 2-1 ao V. Setúbal, com Pedroto como treinador), triunfo na segunda prova mais importante do calendário nacional, batendo o SC Braga por 1-0. E a sua primeira contratação foi a de Joaquim Torres, guarda-redes do V. Setúbal.

Junho de 1976

Primeira declaração: Teófilo Cubillas

«As boas relações existentes entre o internacional Teófilo Cubillas, o Peru e o FC Porto acabarão por encontrar uma solução que agrade aos três sem prejuízo para o clube que mantém o atleta», declarou Jorge Nuno Pinto da Costa, chefe do departamento de futebol profissional do FC Porto, no final do jogo europeu com o Schalke 04. A seleção peruana solicitava a presença do médio nos jogos de qualificação para o Campeonato do Mundo de 1978, na Argentina, o FC Porto estava interessado em manter o jogador em Portugal, mas importante não foi a declaração, antes quem a proferiu. Foi a primeira declaração oficial de Pinto da Costa enquanto homem ligado ao futebol do FC Porto.

Setembro de 1976

Telegrama do Governo?!

Em 1977/1978, entre os dois jogos com o Manchester United para a Taça das Taças, surgiu uma das primeiras declarações mordazes de Pinto da Costa. O chefe do departamento de futebol profissional do FC Porto, então com 39 anos, começou a revelar, no final da vitória por 4-0 nas Antas, a capacidade de ironizar que o celebrizaria: «Ao eliminarmos o Manchester, talvez o Governo nos envie um telegrama de felicitações…» Os dragões tinha perdido em Old Trafford por 2-5, seguiram em frente, mas telegrama não houve…

Setembro de 1977

Infortúnio frente ao Benfica

Após o empate nas Antas entre FC Porto e Benfica (1-1), da jornada 28 de 1977/1978, que quase entregava o título aos dragões, Américo de Sá e Pinto da Costa falaram aos jornalistas. «Já levo seis anos de presidência do clube e nunca sofri tanto num jogo como neste. Ganhar este jogo nem sequer era prova certa da nossa política administrativa, pois estar até agora a lutar pelo titulo, já era», referiu Américo de Sá. O diretor do departamento de futebol profissional acrescentou: «O infortúnio perseguiu-nos. O resultado foi injustíssimo para a nossa equipa.»

Maio de 1978

Finalmente campeão 

Após 19 anos de jejum, o FC Porto volta a ser campeão nacional de futebol, batendo o Benfica através da diferença de golos (81-21 contra 56-11), pois terminaram a época com os mesmos pontos.

Junho de 1978

Pedroto e os vastos conhecimentos sobre futebol

A seguir à conquista do bicampeonato em 1979, Pinto da Costa decidiu deixar um estudo para a Direção de Américo de Sá analisar: «A experiência de três anos e meio à frente do departamento de futebol profissional do FC Porto terão me dado alguns conhecimentos que poderão ajudar a Direção que vier para o clube a debruçar-se sobre o problema. Isto não quer dizer que ela tenha que seguir os meus conselhos e que não possa, pura e simplesmente, arquivá-los no cesto dos papéis. O futuro treinador terá de continuar a ser, quanto a mim, José Maria Pedroto porque tem todas as qualidades e os vastíssimos conhecimentos sobre todo e qualquer problema do futebol, por mais insignificante que possa parecer. Depois, depositamos toda a esperança no nosso próximo aparecimento na Taça dos Campeões Europeus. No ano passado, fomos eliminados por mero acidente. Hoje, a nossa equipa tem maturidade e personalidade que julgo nos permitem encarar qualquer adversário e tentar eliminá-lo. Esta época poderá significar, se as coisas nos correrem como há dois anos, a entrada definitiva na alta roda do futebol europeu.»

Junho de 1979

«Não farei parte da nova gerência»

A 11 de maio de 1980, após o empate (1-1) na receção ao Sporting, que mantinha o FC Porto na frente da classificação, Pinto da Costa afirmava que não ia continuar em funções: «Vincámos superioridade nítida, que só não concretizámos nos golos que merecíamos. Umas vezes por manifesta pouca sorte, caso das bolas a trave, outras pela atuação valorosa e feliz de Vaz. Continuamos a ser a única equipa que não precisa de pensar no que se passa nos outros campos. Basta-nos ganhar os três jogos que restam. Quanto à minha permanência nos corpos diretivos do FC Porto está tomada a decisão definitiva: não farei parte da nova gerência, embora me mantenha até final. Motivos profissionais não me permitem dispor de tempo para dedicar ao clube, agora cada vez a necessitar mais de elementos com disponibilidade para colaborar.»

Maio de 1980

O verão quente de 1980

À entrada dos anos oitenta, o FC Porto viveu momentos quentes: José Maria Pedroto e Pinto da Costa abandonaram o clube no verão de 1980, depois de a direção de Américo de Sá ter decidido suspender toda a equipa técnica: Pedroto, António Morais, Hernâni Gonçalves e João Mota, na sequência de uma tomada de posição de solidariedade para com Pinto da Costa, entretanto destituído do cargo de diretor do departamento de futebol. Três pesos-pesados saíram: Oliveira para o Bétis, Gomes para o Gijon, Octávio para Setúbal. Após a final da Taça de Portugal de 1980, em que o Benfica derrotou o FC Porto por 1-0 no Estádio Nacional, golo do brasileiro César, Pinto da Costa diz a A BOLA: «A falta de cobertura do Presidente do FC Porto, Américo de Sá, à minha luta contra as forças de Lisboa e eu ter vindo a saber que, cercados por uma multidão enfurecida, na Tribuna de Honra do Estádio Nacional, Américo de Sá confraternizava, por exemplo, com o doutor Martins Canaverde, deputado do CDS e dirigente do Benfica, leva-me a pensar se valerá a pena continuar, quase sozinho, a lutar contra os interesses do centralismo». Américo Sá, também deputado do CDS, critica Pinto da Costa e Pedroto e nasce aí o verão quente nas Antas, com o desmembramento do plantel (Oliveira vai para o Bétis, Gomes para o Gijón e Octávio para o V. Setúbal. Teles Roxo substituiu Pinto da Costa e, em entrevista ao jornal A Bola, comentou assim a polémica: «Tratou-se apenas de substituir um diretor que afirmou não poder continuar e um treinador que sonhava ser escritor. Já houve muitos senhores Pedrotos, já houve muitos Pintos da Costa».

 Julho de 1980

Fonte: A Bola

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