Os professores, que foram admitidos através de um concurso público em 2023 e começaram a trabalhar em Junho de 2024, dizem sentir-se abandonados e traídos pelo sistema. Por medo de represálias, preferem falar sob anonimato.
“Fomos chamados para começar a trabalhar com a promessa de que o processo administrativo estava em curso e que tudo seria regularizado rapidamente. Acreditámos no Estado, demos o nosso melhor nas salas de aula, e agora somos descartados como se nunca tivéssemos existido”, lamenta uma das docentes.
Outro professor, visivelmente desolado, partilha a sua angústia: “Como é possível que o mesmo Estado que nos colocou a trabalhar nos vire as costas? Ensinei crianças com dedicação, suprindo a falta de materiais, enfrentando longas distâncias para chegar às escolas, e agora estou no olho da rua. É revoltante.”
A confiança no sistema levou muitos destes professores a reorganizar as suas vidas com base na expectativa de um salário que nunca chegou. Sem alternativas de rendimento, começaram a contrair dívidas para suprir necessidades básicas como alimentação, alojamento e até roupas para se apresentarem dignamente nas escolas.
“Acreditei que, depois de tanto tempo desempregada, esta era a oportunidade de finalmente sustentar a minha família. Pedi dinheiro emprestado a amigos e familiares, para comprar alimentos e pagar a renda, pensando que tudo seria compensado com o salário. Agora, estou sem trabalho e com dívidas que não consigo pagar”, desabafa outra professora.
Um terceiro docente acrescenta: “O que mais doi é ver os credores a baterem à porta. Eu não sou uma pessoa de má-fé, sempre paguei as minhas contas, mas como faço isso agora sem salário? As noites são de angústia, e não vejo uma solução à vista”.
Este duplo desafio – a falta de emprego e as dívidas acumuladas – está a afectar não só a estabilidade financeira dos professores, mas também a sua saúde mental. “Estamos a ser esmagados por este peso. É uma situação desumana e insustentável”, diz um dos entrevistados.
Florêncio Vilanculos, director do Serviço Distrital de Educação e Tecnologias de Vilankulo, reconhece a gravidade do problema, mas justifica a situação com a necessidade premente de novos professores, para atender à elevada demanda nas salas de aula. Segundo ele, a decisão de iniciar as funções antes da emissão do visto do TA foi tomada para evitar o colapso no ensino público.
“As escolas estavam a enfrentar uma escassez de professores. Não podíamos deixar as crianças sem aulas. Esta foi uma decisão de emergência, mas compreendemos que o impacto na vida destes docentes é sério e estamos a trabalhar para resolver a situação junto ao Tribunal Administrativo”, explicou Vilanculos.
Em Moçambique, a contratação de funcionários públicos depende da aprovação do Tribunal Administrativo, que emite um visto a confirmar a conformidade legal do processo. Sem este visto, os contratos não têm validade, o que impede o pagamento de salários. Embora a lei permita excepções em casos de “urgente conveniência de serviço”, a sua aplicação não foi suficiente para evitar a actual situação.
A falta de celeridade no processamento do visto é um problema recorrente em várias províncias do país. Contudo, em Vilankulo, a decisão de suspender os professores foi particularmente devastadora.
Os professores de Vilankulo não escondem a indignação ao compararem a sua situação com a de colegas de outros distritos. “Há professores em condições semelhantes, a trabalhar noutros pontos. Por que razão só nós fomos suspensos? Isso é injustiça pura”, critica um dos docentes.
Outro acrescenta: “Sentimo-nos invisíveis. Parece que ninguém se importa com o que estamos a passar. Será que a nossa dedicação à educação das crianças não vale nada?”
Florêncio Vilanculos garante que estão a ser feitos esforços para resolver o problema junto ao Tribunal Administrativo, mas não avançou prazos para a conclusão do processo. “Estamos a pressionar as autoridades competentes, para acelerar a emissão do visto. Estes professores são uma peça fundamental no nosso sistema de ensino, e faremos tudo o que estiver ao nosso alcance, para regularizar a situação”, afirmou.
Este caso expõe não só as fragilidades do sistema administrativo em Moçambique, mas também o impacto humano das decisões burocráticas. Enquanto se aguarda uma solução, os professores de Vilankulo continuam a viver entre a incerteza e a esperança, carregando o peso de um sistema que, por vezes, parece falhar os seus pilares fundamentais.
Fonte: O País