A ofensiva tarifária dos Estados Unidos, encabeçada pelo Presidente Donald Trump, está a reconfigurar as rotas do comércio internacional, afectando profundamente as cadeias globais de valor, mas também abrindo novas oportunidades geoeconómicas para países como o Brasil, Egipto, Singapura, Turquia e Índia, que escaparam às tarifas mais elevadas impostas aos principais exportadores.
Com a imposição de taxas que superam os 46% para países como o Vietname e o Bangladesh, e mais de 20% para a União Europeia, Coreia do Sul e Japão, os Estados Unidos estão a forçar uma deslocação de fluxos comerciais e produtivos, com efeitos colaterais que tanto penalizam como favorecem diferentes economias emergentes.
Brasil: entre os menos penalizados e com ganhos esperados no agro-negócio
O Brasil aparece entre os países que sofreram a menor tarifa “recíproca” dos EUA — apenas 10% — e poderá beneficiar duplamente: ganhando competitividade face aos agricultores americanos, agora prejudicados pelas tarifas retaliatórias da China, e ganhando espaço nos fluxos comerciais desviados de países asiáticos penalizados.
Durante a anterior guerra comercial entre EUA e China, o Brasil foi um dos maiores vencedores no mercado de soja e milho — e o mesmo padrão pode repetir-se agora, à medida que Pequim reorienta os seus fornecedores.
Egipto e Marrocos: atraindo investidores desviados da Ásia
Com défices comerciais relativamente baixos com os EUA e taxas modestas de 10%, países como o Egipto e Marrocos surgem como destinos alternativos para produção industrial e investimento externo. No caso egípcio, o sector têxtil já vislumbra ganhos competitivos face a concorrentes como China, Bangladesh e Vietname, onde as tarifas ultrapassam 30%.
“Os EUA impuseram tarifas muito mais elevadas a outros países. Isto dá ao Egipto uma excelente oportunidade de crescimento”, afirmou Magdy Tolba, do consórcio egípcio-turco T&C Garments.
Em Marrocos, com um acordo de comércio livre com os EUA, há expectativas de atracção de novas fábricas e relocalização de produção, embora existam receios sobre o impacto de investimentos recentes da China — como a gigafábrica da Gotion High Tech — que possam atrair a atenção política negativa de Washington.
Turquia e Quénia: reposicionamento industrial em curso
A Turquia, anteriormente penalizada por tarifas sobre aço e alumínio, poderá agora ganhar fôlego numa nova conjuntura em que outros concorrentes enfrentam barreiras mais severas. Já o Quénia, com um perfil comercial menos exposto, poderá capitalizar com ganhos marginais no sector têxtil, posicionando-se como fornecedor alternativo para o mercado norte-americano.
Singapura: potencial financeiro versus fragilidade estrutural
Apesar de ver o seu índice de referência cair 7,5% numa só sessão, o pior desempenho desde 2008, Singapura surge como possível beneficiária de fluxos de investimento desviados da China. No entanto, economistas advertem para os riscos estruturais de uma economia extremamente dependente do comércio global e altamente integrada em cadeias de valor regionais.
“A verdade absoluta é que não há vencedores se a economia dos EUA ou a global entrar em recessão”, advertiu Selena Ling, economista do OCBC.
Índia: ganhos por exclusão e aposta tecnológica
Apesar de ter sido alvo de uma tarifa de 26%, a Índia vê oportunidades claras de expansão em sectores como têxteis, calçado e electrónica de consumo, face à penalização dos seus rivais asiáticos. O Governo indiano já está a estudar formas de capturar parte da produção da Apple e outros gigantes tecnológicos, actualmente sediados na China.
México e Mercosul: estabilidade estratégica e acordos por renovar
O México, apesar da sua exposição à economia dos EUA, foi parcialmente protegido pelo acordo comercial USMCA, renovado durante o primeiro mandato de Trump. Já no Mercosul, a turbulência tarifária poderá acelerar as negociações com a União Europeia, há muito estagnadas, criando espaço para que o Brasil e os seus vizinhos avancem com um novo bloco de influência no comércio transatlântico.
“As tendências do primeiro mandato de Trump podem repetir-se. O Brasil poderá ver crescer as suas exportações agrícolas à medida que os EUA enfrentam bloqueios retaliatórios”, assinala Graham Stock, estratega sénior da RBC BlueBay.
uma nova ordem comercial, fragmentada e de oportunidade relativa
A guerra comercial em curso é vista por muitos analistas como um acto de autossabotagem económica dos Estados Unidos, mas também como um catalisador de recomposição das rotas comerciais globais, favorecendo economias com flexibilidade, acordos preferenciais ou perfil geopolítico menos confrontacional.
“Não há vencedores absolutos. Há realinhamentos e oportunidades relativas. Os países que souberem lê-las com agilidade estratégica sairão menos perdedores — ou potencialmente mais fortes”, conclui o economista Rachid Aourraz, do MIPA (Marrocos)
Fonte: O Económico