Contexto e motivações: por que a IA está no centro das atenções globais?
A inteligência artificial (IA) tornou-se um dos temas mais estratégicos e sensíveis da actualidade, não apenas pelo seu potencial de transformação económica, mas também pelos riscos que representa em termos de segurança, ética e impactos sociais. A crescente influência da IA generativa – exemplificada por sistemas como o ChatGPT da OpenAI, os modelos Gemini da Google e o avanço de startups como a francesa Mistral – tem despertado preocupações entre reguladores, empresários e sociedade civil sobre a forma como essa tecnologia deve ser gerida.
Diante desse cenário, a Cimeira de Inteligência Artificial de Paris, realizada entre 10 e 11 de Fevereiro de 2025, reuniu líderes políticos, representantes da indústria e especialistas para discutir o futuro da regulamentação do setor. O evento surge num momento em que diferentes blocos económicos adoptam abordagens contrastantes para o desenvolvimento da IA.
Os Estados Unidos, sob a administração Donald Trump, reverteram diversas medidas de controlo de IA estabelecidas no governo anterior, apostando numa estratégia de inovação acelerada e desregulamentação para manter a sua liderança tecnológica. A China, por sua vez, continua a investir massivamente na integração da IA em sectores estratégicos, com forte supervisão estatal. Já a União Europeia (UE), tradicionalmente mais cautelosa, busca agora um equilíbrio entre inovação e regulação, tentando evitar que o excesso de normas prejudique a competitividade do bloco.
Foi neste contexto que Emmanuel Macron, anfitrião da cimeira, defendeu a necessidade de “resincronizar” a Europa com o resto do mundo, garantindo que a regulação não sufoque o crescimento do setor tecnológico no continente.
Principais debates e desafios da cimeira
Um dos grandes anúncios do evento foi a promessa de simplificação das regras de IA na União Europeia. O bloco aprovou em 2024 a Lei da IA da UE, o primeiro conjunto de normas abrangentes para o sector, mas que tem sido criticado por impor demasiadas exigências às empresas. Henna Virkkunen, Comissária Digital da UE, reconheceu que o excesso de regulamentação pode desincentivar o investimento e comprometer o desenvolvimento tecnológico europeu. “Vamos cortar a burocracia e reduzir o peso administrativo para permitir que as nossas empresas inovem e sejam competitivas”, afirmou.
Macron comparou a abordagem proposta ao rápido restauro da Catedral de Notre-Dame, reconstruída em tempo recorde após o incêndio de 2019 graças a um regime regulatório especial. Segundo o presidente francês, essa mesma lógica deve ser aplicada ao sector de IA: menos entraves burocráticos e mais incentivo ao crescimento.
A postura norte-americana em relação à IA foi outro tema central da cimeira. Desde que reassumiu a presidência, Donald Trump tem impulsionado um modelo de inovação desenfreada, desmantelando regulações anteriores para fortalecer a posição dos EUA na corrida tecnológica global. Esta abordagem tem colocado a UE sob pressão para evitar que suas regras excessivamente rígidas afastem empresas e investimentos, tornando o bloco menos atractivo para o desenvolvimento de IA.
A incerteza sobre a posição dos Estados Unidos em relação à cooperação global também pairou sobre o evento. O discurso do Vice-Presidente JD Vance, marcado para o encerramento da cimeira, deverá clarificar se Washington apoiará ou não uma declaração conjunta sobre o uso sustentável e inclusivo da IA.
Para demonstrar que a Europa continua atractiva para a inovação em IA, Macron anunciou 109 mil milhões de euros (113 mil milhões de dólares) em investimentos privados no sector tecnológico francês. Um dos destaques foi a expansão da startup Mistral, que abrirá um novo centro de dados na região metropolitana de Paris.
Além disso, foi lançado o Current AI, uma aliança entre França, Alemanha e grandes players do sector, como Google e Salesforce, que visa financiar projectos de interesse público, como a criação de bases de dados de alta qualidade para modelos de IA e o desenvolvimento de ferramentas open-source. O projecto já conta com um fundo inicial de 400 milhões de dólares, com ambição de atingir 2,5 mil milhões de dólares em cinco anos.
Apesar do entusiasmo com as oportunidades económicas, a cimeira também serviu de palco para alertas sobre os riscos da IA. Brian Chen, da organização Data & Society, expressou receios de que as pressões externas levem a um enfraquecimento das regulamentações europeias, comprometendo protecções importantes relacionadas à privacidade, transparência e ética no uso da IA.
Sindicatos e organizações de defesa dos direitos laborais também alertaram para os impactos da IA no emprego, questionando quais garantias serão dadas aos trabalhadores cujas funções forem substituídas por sistemas automatizados. A necessidade de políticas de reconversão profissional e protecção social para esses trabalhadores foi um dos temas mais debatidos no evento.
Expectativas futuras: o que esperar após a Cimeira de Paris?
A Cimeira de IA de Paris deixou claro que a União Europeia está a tentar reposicionar-se na corrida global pela inteligência artificial, procurando reduzir a burocracia sem abrir mão de princípios regulatórios fundamentais. A questão agora será como traduzir as promessas do evento em medidas concretas e eficazes.
Três pontos-chave deverão marcar os próximos meses:
A inteligência artificial representa um dos maiores desafios e oportunidades do século XXI, e a Cimeira de Paris foi um marco na tentativa da Europa de encontrar o equilíbrio certo entre inovação e regulação. O desfecho dessas discussões terá implicações não apenas para o futuro do sector tecnológico, mas também para a economia global e a forma como a IA será integrada na sociedade.
Fonte: O Económico