Resumo
Na província de Inhambane, dois casos de violência doméstica chocaram as comunidades locais: uma mulher foi assassinada pelo filho e outra pelo companheiro, em crimes motivados por ciúmes e acusações de feitiçaria. Estes homicídios revelam a crescente onda de violência na região, onde cerca de 150 pessoas foram mortas nos primeiros sete meses do ano. As autoridades destacam a proximidade entre vítimas e agressores, com casos de violência extrema ligados a ciúmes e crenças tradicionais. A Polícia de Moçambique reforça a sensibilização comunitária para combater a justiça pelas próprias mãos e as crenças associadas à feitiçaria, que continuam a resultar em tragédias familiares.
Segundo as autoridades, os casos ocorreram em diferentes comunidades do distrito de Vilankulo, mas têm em comum a violência extrema e a proximidade entre vítimas e agressores. Na cidade de Vilankulo, um homem de 47 anos foi detido depois de tirar a vida da namorada, alegadamente por motivos passionais. No mesmo distrito, outro indivíduo é acusado de ter espancado a própria mãe até à morte, após tê-la acusado de feitiçaria.
As cenas macabras, que voltam a manchar de sangue a “terra da boa gente”, reacendem o debate sobre o aumento de crimes violentos em Inhambane — onde, só nos primeiros sete meses do ano, cerca de 150 pessoas foram assassinadas, a maioria por razões ligadas à ciúmes, conflitos familiares ou crenças tradicionais.
Em declarações à imprensa, a porta-voz da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Inhambane, Nércia Bata, detalhou as circunstâncias em que ocorreu o primeiro homicídio, envolvendo um jovem casal de Vilankulo.
“Este que saiu com a sua namorada, foram numa adega, consumiram bebidas alcoólicas com os outros amigos e, de regresso à casa, na calada da noite, o mesmo desconfiou que a esposa tinha um relacionamento extraconjugal e acabou asfixiando-a até à morte”, contou Bata, acrescentando que o suspeito foi detido pouco depois.
De acordo com a PRM, o crime foi premeditado e executado num contexto de ciúmes descontrolados, um padrão que tem se repetido com frequência alarmante em vários distritos da província. “Infelizmente, estamos a lidar com situações em que o diálogo é substituído pela violência. Pequenas desavenças acabam em tragédia. E o que mais nos preocupa é que, na maioria dos casos, o agressor é alguém próximo da vítima”, lamentou a porta-voz.
O segundo caso, registado em Vilankulo, expõe o outro lado da mesma moeda: a persistência das acusações de feitiçaria como justificativa para crimes brutais. O suspeito, um homem de 52 anos, é acusado de ter agredido a própria mãe até à morte, sob a alegação de que ela praticava feitiçaria e seria a responsável pelos males que o atormentavam.
Nércia Bata explicou que o suspeito foi igualmente detido e deverá responder por homicídio qualificado. “Este indivíduo confessou parcialmente o crime, dizendo que agiu sob raiva e medo de supostas práticas mágicas da mãe. Mas, para nós, trata-se de um ato bárbaro que demonstra até que ponto o obscurantismo ainda destrói famílias”, sublinhou.
A Polícia afirma que continua a reforçar o trabalho de sensibilização comunitária, com o objetivo de desencorajar a justiça pelas próprias mãos e combater as crenças associadas à feitiçaria, que frequentemente terminam em mortes. No entanto, reconhece que o desafio é enorme e exige uma intervenção multidisciplinar.
“Estamos a trabalhar com as lideranças comunitárias, com as igrejas e com o setor da educação, porque não basta punir. É preciso educar e mudar mentalidades”, referiu Bata, frisando que, só em 2025, já foram registados vários homicídios relacionados com acusações infundadas de feitiçaria.
As estatísticas mais recentes do Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) revelam que Inhambane é uma das províncias com maior incidência de homicídios do país, com uma média de uma morte violenta a cada dois dias. A maioria dos casos está ligada a disputas familiares, desentendimentos amorosos e crenças tradicionais.
Fontes comunitárias ouvidas pelo O País afirmam que a pobreza, o consumo excessivo de álcool e a falta de mecanismos de mediação social têm contribuído para o agravamento da situação. Em zonas rurais, a crença de que doenças, infertilidade ou infortúnios resultam de feitiçaria continua profundamente enraizada, levando a linchamentos e execuções sumárias.
Entretanto, organizações da sociedade civil pedem uma atuação mais firme do Estado, combinando a repressão penal com campanhas educativas contínuas. “Precisamos de um trabalho intenso de consciencialização, sobretudo nas comunidades rurais, onde a ignorância e o medo ainda são usados como armas de destruição”, comentou um ativista local.
Os dois casos mais recentes, embora separados por poucos dias e por dezenas de quilómetros, partilham uma mensagem inquietante: Inhambane, a província outrora conhecida pela sua tranquilidade e hospitalidade, está a viver um ciclo de violência doméstica e homicídios que desafia as autoridades e destrói famílias.
Para a PRM, o combate a esta onda sangrenta exige mais do que prisões — exige uma mudança cultural profunda. “Não podemos continuar a assistir a vidas perdidas por ciúmes ou superstição. A violência nunca é solução. O que precisamos é de diálogo, empatia e respeito pela vida”, concluiu Nércia Bata.
Fonte: O País