A divulgação da 11ª. Revisão, em 2018, levou ao Manual de Capacitação da CID-11, que estabelece diagnósticos para síndrome de dependência de videogame online e offline, e apostas – jogo patológico. O Manual passa a valer no Brasil em 2027, como informou o Ministério da Saúde do país.
Uso repetitivo
A ONU News conversou com o ex-coordenador da área de Saúde Mental da OMS, o professor e médico psiquiatra José Bertolote.
Segundo ele, a exposição à tela não é uma doença, mas cada usuário deve monitorar o conteúdo que consome para evitar ser dominado por uma dependência, que é criada quando existe uso repetitivo.
“Hoje, nós identificamos dois transtornos mentais ligados diretamente às telas. A Classificação Internacional de Doenças, a 11ª. Edição, que já é oficializada pela OMS, e entra em vigor no Brasil, em 2027, muito provavelmente, tem um diagnóstico de “síndrome de dependência” de videogame online, síndrome de dependência de videogame offline e apostas – jogo patológico. Então, são três diagnósticos ligados diretamente às telas.”
Segundo a OMS, esse transtorno é um padrão de comportamento de jogos digitais e ocorre quando o usuário prioriza o jogo na internet deixando de lado outros interesses e atividades diárias, permitindo que a situação se escale mesmo em face de consequências negativas.
Para ser diagnosticado como tal, o transtorno de jogo online deve ser marcado por um padrão de comportamento severo o suficiente que resulte em impedimento significativo das áreas pessoal, familiar, social, educacional do indivíduo, e que seja algo evidente por pelo menos 12 meses.
11 milhões de mortes por ano
Alguns estudos indicam que o transtorno de jogos digitais afeta uma proporção pequena de pessoas que praticam essas atividades na internet.
Para a OMS, quem joga deve atentar para a quantidade de tempo que passa na frente das telas, especialmente se isso causa uma exclusão de outras atividades. O que poderia contribuir para um distúrbio neurológico.
Em meados de outubro, a OMS divulgou seu novo Relatório Global sobre Neurologia mostrando que as condições neurológicas afetam mais de 40% da população global, o que equivale a mais de 3 bilhões de pessoas.
Ao todo, 11 milhões morrem por ano, no globo, por causa desses distúrbios.
A agência da ONU ressalta que menos de um em cada três países tem política nacional para lidar com o desafio.
Identificação e manejo
Nessa entrevista à ONU News, o psiquiatra José Bertolote afirma que é preciso encarar o problema como uma questão de saúde geral, que deve ser diagnosticado pelo clínico geral.
“Não trata agora de formar um corpo de neurologistas para todos os países. Nós precisamos capacitar o pessoal de saúde existente para identificação e o manejo desses casos. A OMS publicou um manual, muito interessante que se chama: “Manual para Identificação e Tratamento de Transtornos Mentais, Neurológicos e de Dependência de Drogas em Locais onde não há Especialistas.” É um título longo, mas eu acho extremamente esclarecedor. E se estima que esses problemas crônicos sejam neurológicos, psiquiátricos ou cardiológicos, ou respiratórios. Cerca de 80% podem e devem ser diagnosticados na rede básica, dos cuidados primários.”
O estudo da OMS lista as 10 principais condições neurológicas que contribuíram para morte e incapacidade em 2021: acidente vascular cerebral, encefalopatia neonatal, enxaqueca, doença de Alzheimer e outras demências, neuropatia diabética, meningite, epilepsia idiopática, complicações neurológicas relacionadas ao parto prematuro, transtornos do espectro autista e cânceres do sistema nervoso.
Epilepsia e derrame
O ex-coordenador da agência lembra que uma das principais doenças neurológicas é o acidente vascular cerebral ou derrame, que após ocorrer se torna um problema neurológico, assim como a epilepsia.
“Em países menos desenvolvidos, não é raro que a pessoa que cozinha num fogareiro, numa fogueira no chão, tem a convulsão, cai em cima do fogo, se queima, eventualmente, até morre. Ou sofre quedas em outros lugares, e às vezes, a causa da morte que é dada é traumatismo craniano porque a pessoa tem a convulsão, perde a consciência, cai bate a cabeça, tem uma fratura e uma hemorragia cerebral. Então é neurológica porque a natureza da doença é neurológica e tem drogas extremamente eficientes para tratar esse problema.”
O diretor-geral adjunto da Divisão de Promoção da Saúde, Prevenção e Controle de Doenças da OMS, Jeremy Farrar, disse que é preciso fazer todo o possível para levar tratamento a quem precisa. Ele lembra que mais de uma em cada três pessoas no mundo vive com doenças que afetam o cérebro.
Escassez de profissionais qualificados
A agência da ONU acredita que investimentos em saúde e educação para saúde podem ajudar a combater o estigma que cerca, em muitos casos, o tratamento psiquiátrico, além de exclusão social e dificuldades financeiras.
Países de baixa renda têm mais de 80 vezes menos neurologistas em comparação com nações de alta renda, apesar da alta carga dessas doenças. Essas nações também têm escassez de profissionais de saúde qualificados.
Muitos países de baixa e média renda carecem de planos nacionais, orçamentos e força de trabalho. A OMS está pedindo uma ação global urgente, baseada em evidências e coordenada para priorizar a saúde do cérebro e expandir o tratamento neurológico.
Apenas 32% dos Estados-Membros da OMS possuem uma política nacional voltada para distúrbios neurológicos e apenas 18%, ou 34 países, relatam ter financiamento dedicado para abordá-los.
Cobertura universal de saúde
Cuidados essenciais estão fora do alcance da maioria das pessoas. Somente 25% dos Estados-Membros (49 países) incluem distúrbios neurológicos em seus pacotes de benefícios de cobertura universal de saúde.
Serviços críticos, como unidades de AVC, neurologia pediátrica, reabilitação e cuidados paliativos, frequentemente faltam ou se concentram em áreas urbanas, deixando populações rurais e carentes sem acesso a cuidados vitais e de manutenção da vida.
A Organização Pan-Americana da Saúde, Opas. informa que já é possível se informar sobre as inovações da CID-11, por meio do curso on-line “Manual de Capacitação da CID-11”, desenvolvido pelo departamento de Evidencia e Inteligência para Ação na Saúde da OPAS.
*Monica Grayley é editora-chefe da ONU News Português.
**Com informações da OMS.
Fonte: ONU






