Era por volta das 00h00 de 25 de Junho, no Estádio da Machava, que se abria o primeiro acto de um novo capítulo: Moçambique livre do jugo colonial, finalmente independente. Sonhávamos alto – escolas para todos, hospitais com médicos nacionais, alimento na mesa, electricidade nos lares e esperança no horizonte. Meio século depois, com o coração dividido entre orgulho e inquietação, pergunto-me: o que conquistámos com a independência? Poderemos considerar satisfatório o caminho que trilhámos?
Evoluímos, sem dúvida. Sem a independência, muitos de nós teríamos ficado restritos à 5.ª classe, em salas improvisadas debaixo de árvores – situação que, lamentavelmente, ainda persiste para alguns. Hoje há escolas em quase todos os distritos, cresce o número de crianças alfabetizadas e os hospitais contam com médicos moçambicanos, ainda que em condições por vezes precárias e até desumanas. Crescemos como povo e assegurámos o direito de decidir o nosso destino. Contudo, é impossível ignorar que muito ainda falta para realizar plenamente o sonho que nos guiou em 1975.
A nossa economia está ao nível das suas potencialidades ou permanece dependente de ajudas externas? Os vastos recursos naturais de que dispomos revertem-se, de facto, em benefício da população ou fluem para interesses alheios? Continuamos a importar grande parte dos alimentos que consumimos, elevando o custo do básico que, nesta “idade de ouro”, julgávamos garantido.
A célebre máxima — “o pássaro que é alimentado por outros nunca aprenderá a voar” — nunca pareceu tão pertinente. Não seria este o momento de abrir as asas, traçar o nosso próprio percurso e afirmar a independência económica? Urge deixar de depender de quem, afinal, precisa de nós para crescer.
As províncias de Tete, Nampula e Zambézia, embora distantes dos grandes centros, compõem esta nação e destacam-se pela elevada produção agrícola. No entanto, o transporte público em várias zonas da província de Maputo e nas áreas em expansão continua a ferir a dignidade humana. O popular “My Love” constitui uma metáfora ambulante da nossa condição: passageiros amontoados, forçados a suportar más condições, numa viagem sem destino certo. Não há espaço para o conforto nem para o respeito; até quem não se conhece vê-se obrigado a um contacto íntimo e desconfortável, suportando o aperto e o odor num sufoco colectivo.
Comemorar cinquenta anos de independência é justo e necessário, mas também chega o momento de pausar e reflectir com seriedade. A independência concedeu-nos o poder de decidir; hoje, cabe-nos perguntar: estaremos a tomar as decisões correctas?
O moçambicano não se queixa por tudo, mas fala alto quando prioriza o que realmente importa. Queixa-se do vazio no estômago, da frustração de um dia inteiro de trabalho informal que não chega para alimentar a família. A fome, antes tratada como assunto delicado, tornou-se uma realidade central — visível e explosiva. Num país como o nosso, é legítimo perguntar: por que continua a ser tão difícil pôr comida na mesa?
Quando proclamámos que “Cahora Bassa é nossa”, acreditámos que a energia iluminaria cada recanto da nação. Porém, a luz produzida em casa sai tão cara que nos obriga a viver às escuras, enquanto a exportamos para o exterior. Como explicar isso aos filhos da independência?
Não se trata de negar os progressos nem de apontar culpados — talvez todos tenhamos nossa quota-parte de responsabilidade. Celebrar cinco décadas de independência não pode ser apenas um exercício de saudade; deve ser um chamado à acção. É hora de reconhecer que não estamos onde sonhámos, nem perto disso. Enquanto aceitarmos migalhas e fingirmos que são conquistas, o verdadeiro propósito da independência ficará sepultado sob os escombros da desigualdade.
É tempo de reescrever esta história com coragem, justiça e verdade. Enfim… feliz Semana da Independência