Dia da Língua Portuguesa celebrado com abordagens linguísticas e literárias 

0
32
Perpétua Gonçalves, Gilberto Matusse, Virgília Ferrão, Eduardo Quive e Mélio Tinga reuniram-se, nesta segunda-feira, no simpósio “A Língua Portuguesa de Moçambique nos Estudos Linguísticos e Literários”, organizado pelo Centro de Língua Portuguesa – Camões/UEM. O evento serviu para assinalar o Dia Mundial da Língua Portuguesa, com alusão às pesquisas produzidas na área em questão e ao processo criativo dos escritores convidados.

 

O Anfiteatro 1502 é um dos espaços importantes na promoção de debate de ideias. Concebido para reunir a comunidade académica e todos os interessados pela partilha do saber, na manhã desta segunda-feira, 5 de Maio, de facto, a sala da Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane funcionou como uma espécie de acrópole. Os professores universitários, pesquisadores e escritores, tendo como pretexto o Dia Mundial da Língua Portuguesa, aproveitaram a ocasião para pensar Moçambique nestes 50 anos de independência.

Essencialmente, o simpósio “A Língua Portuguesa de Moçambique nos Estudos Linguísticos e Literários” teve dois momentos. No primeiro, houve duas apresentações. A Professora Catedrática Perpétua Gonçalves desenvolveu o tema “50 anos de pesquisa sobre o Português de Moçambique”, ora numa perspectiva historiográfica, ora referindo-se às principais áreas de pesquisa. Segundo disse, existem cerca de 600 títulos sobre estudos inerentes ao português de Moçambique e que, actualmente, o grande projecto sobre o tema é o que está a ser desenvolvido pela professora universitária Inês Machungo, que é um dicionário sobre o português de Moçambique.

Para Perpétua Gonçalves, quando se fala de pesquisas sobre o português de Moçambique, os dados variam, até porque os moçambicanos estão expostos ao português europeu, em contextos formais, e ao de Moçambique, em contextos informais. Ambos os casos, na verdade, revelam que “O português de Moçambique está em formação”, pois, acrescentou a pesquisadora, alguns aspectos ainda não estão efectivamente consolidados.

Na sua intervenção, Perpétua Gonçalves afirmou ainda que o facto de os moçambicanos, muitas vezes, serem bilingues deve ser visto como uma vantagem, pois “Isso só nos valoriza. Não é um problema”.

Ainda na parte inaugural do simpósio, a segunda apresentação foi feita pelo professor universitário e crítico literário, Gilberto Matusse. Partindo de uma premissa aproximada à da Professora Catedrática Perpétua Gonçalves, Matusse esclareceu que os 50 anos de independência são dominados por uma vertente genérica em relação ao estudo da literatura moçambicana, com tentativas de se traçarem periodizações. Nesse sentido, o crítico referiu-se aos autores e aos estudos que foram marcando a arte literária no país, como é o caso de Fátima Mendonça. 

O professor universitário disse que a grande expansão de estudos sobre literatura moçambicana começa nos anos 90, resultado das formações naquela área. O facto de a UEM ter introduzido o curso de Linguística, em 1989, com a componente na área de estudos literários, favoreceu a área, pois muitos estudantes fizeram a culminação do curso em literatura moçambicana. Aliado a isso, as universidades portuguesas e, principalmente, as brasileiras, reforçou, têm vindo a consolidar a promoção das obras de escritores moçambicanos.

De acordo com Gilberto Matusse, os graduados da UP-Maputo e, sobretudo, da UEM são os que mais contribuem para o repertório de estudos sobre literatura moçambicana. Entretanto, a escassez de estudos sobre literatura, no país, deve-se ao facto de as pessoas, em geral, não lerem obras literárias. Paralelamente, o crítico sublinhou que a maior parte dos estudantes produzem estudos sobre literatura moçambicana porque são obrigados, quer dizer, objectivando a obtenção do nível académico. Logo, o que se deve fazer é desenvolver projectos que coloquem as pessoas a ler, porque, assim, as inquietações resultantes da leitura podem proporcionar ensaios.

Se no princípio a maior parte dos estudos sobre literatura moçambicana se dedicava a questões genéricas, como identidade e periodizações, para Matusse, agora começa a haver estudos sobre autores específicos. E o professor universitário deu exemplo de “Geração XXI”, de Lucílio Manjate.

Outro registo captado por Matusse tem a ver com o entendimento de que a literatura deve ter o compromisso com o real, com a abordagem à representatividade do espaço social e à configuração da imagem da mulher.

Entre os autores mais estudados no país, Matusse mencionou, tendo em conta a lista da Cátedra de Português, Mia Couto, Paulina Chiziane, José Craveirinha, Ungulani ba ka Khosa, Luís Bernardo Honwana e Aldino Muianga.

A concluir, Gilberto Matusse também disse que a crítica literária em Moçambique é deficitária e que a publicação de um estudo sobre a história da literatura moçambicana seria oportuna, porque funcionaria como um guia para os professores e estudantes de literatura moçambicana.

Quanto à segunda parte do simpósio, teve como principais protagonistas três escritores, nomeadamente, Mélio Tinga, Virgília Ferrão e Eduardo Quive. Na mesa redonda “A oficina da língua: processos e possibilidades”, os autores mencionaram alguns aspectos decisivos na produção literária.

O laureado escritor na quarta edição do Prémio INCM/Eugénio Lisboa, Mélio Tinga, autor de “Névoa na sala”, “Marizza” ou “A engenharia da morte”, revelou o interesse em garantir, durante a escrita, uma relação entre a sua intuição criativa e o contexto. Para o escritor, que recentemente publicou um livro em Portugal, “Arder no gelo”, a língua, a língua portuguesa em particular, tanto é uma ponte para apreender determinadas realidades como também para gerar realidades sugeridas.

A condizer com Tinga, Eduardo Quive acrescentou que o som e o ritmo também são elementos que o ajudam a escrever. Em muitos casos, disse, a língua, como instrumento de trabalho, se conecta com uma memória de infância, na qual as histórias lhe eram contadas pela avó que não falava português, língua materna do escritor, mas changana. A imagem da avó, de forma categórica, sustenta a preocupação do autor de “Para onde foram os vivos” por temas ligados à mulher, e o livro “Mutiladas”, resultado da participação do escritor numa residência literária em Lisboa, há três anos, comprova tal constatação.

No caso de Virgília Ferrão, a autora de “Os nossos feitiços”, vencedora do Prémio Literário TDM 2019, e que também organiza antologias de contos com autores africanos, o espaço urbano revela-se inspirador. Por isso mesmo, as suas personagens não deixam de personificar hábitos e costumes de uma classe média ou alta com uma percepção mais actual sobre as coisas. Ainda assim, confessou a escritora, questões como espiritualidade e “miscigenação” linguística, sobretudo com a língua inglesa, não lhe são indiferentes.

Numa sessão concorrida, com intervenções presenciais e virtuais, via Zoom Meeting, Virgília Ferrão, Mélio Tinga e Eduardo Quive concordam que, num contexto em que os estudos literários ainda são deficitários, segundo disse o professor universitário Gilberto Matusse, serem criticados e/ou serem editados no estrangeiro tem sido importante porque os escritores também se constroem com a opinião dos outros: editores, ensaístas ou mesmo leitores comuns.

 

A SESSÃO DE ABERTURA   

O simpósio “A Língua Portuguesa de Moçambique nos Estudos Linguísticos e Literários” foi declarado aberto pelo director da Faculdade de Letras e Ciências Socias (FLCS) da UEM. No seu discurso, Samuel Quive disse que a língua portuguesa, na FLCS, é um factor de ensino e de formação: “Como parte da UEM, queremos manifestar a nossa satisfação sobre a celebração desta data [Dia Mundial da Língua Portuguesa]. Que o dia sirva para os estudantes entenderem o que, depois de uma formação em língua portuguesa, podem fazer. Usem a língua portuguesa para tudo e nunca esqueçam que a nossa cultura se pode manifestar com esta língua. Que o simpósio seja uma contribuição enorme para as pesquisas”, sugeriu aos estudantes de vários cursos que lotaram o Anfiteatro 1502.

De seguida, interveio o embaixador de Portugal em Moçambique. António Costa Moura lembrou que a proximidade linguística favorece a aproximação entre os países. “É o que acontece entre Moçambique e Portugal”.

Igualmente, o embaixador de Portugal em Moçambique lembrou que o português é uma das línguas mundiais de maior peso, em parte, graças ao Brasil e aos estados africanos. Frisou António Costa Moura, ao referir-se à relevância do Dia Mundial da Língua Portuguesa: “Português é língua franca, usada na diplomacia e no comércio internacional”, acrescentou ainda, “e com uma das maiores taxas de crescimento”.  

Por ser um património comum, que todos foram construindo, dispor do português, língua de unidade nacional e de dimensão internacional, consolida a identidade dos moçambicanos, que a escolheram por iniciativa própria como língua oficial. Portanto, “A comunidade falante tem responsabilidades na sua preservação e divulgação”. Conforme se realçou durante o simpósio, a arte literária cumpre um papel muito importante nesse processo.

Fonte: O País

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor, digite seu nome aqui
Por favor digite seu comentário!