Na celebração dos 50 anos do Banco de Moçambique, o antigo Governador alertou para os limites das políticas convencionais num país com défices gémeos, fraca diversificação e vulnerabilidade a choques.
Num momento de pressões fiscais e instabilidade externa, Ernesto Gove, ex-Governador do Banco de Moçambique, lançou um apelo claro: sem reformas profundas no sector real, os instrumentos convencionais de política monetária e cambial permanecerão ineficazes. A sua intervenção — crítica e propositiva — integra as celebrações do cinquentenário do banco central moçambicano.
Durante a sua apresentação no dia 7 de Maio de 2025, em Maputo, o antigo Governador do Banco de Moçambique, Ernesto Gove, ofereceu uma reflexão crítica sobre os limites da eficácia das políticas monetária e cambial no país. Fê-lo a partir de uma constatação estrutural: “A estrutura económica do país é pouco diversificada, o que aumenta a vulnerabilidade a choques”, apontando fenómenos como a guerra civil, as cheias, a crise da dívida externa e a COVID-19 como exemplos recorrentes de choques exógenos que têm pressionado a economia nacional.
Segundo Gove, estes choques têm provocado distorções profundas que afectam os canais de transmissão da política económica. “Contribuem para o surgimento de défices gémeos e para distorções económicas que limitam a eficácia absoluta da política monetária e cambial”, sublinhou.
A título de exemplo, embora o Banco de Moçambique tenha implementado diversas reformas desde 1990 — incluindo a liberalização cambial, incentivos à exportação e políticas de gestão de reservas —, “as reformas estruturantes continuam ausentes”, o que impede que tais instrumentos tenham impactos sustentáveis na economia real.
Na prática, a taxa de juro de política monetária (MIMO), mesmo quando ajustada, nem sempre se traduz numa descida proporcional das taxas de mercado, devido à percepção de risco fiscal elevado. Isto reflecte-se num fenómeno que Gove designa como “hiato entre a taxa directriz e a taxa de juro efectiva”, consequência directa do nível de endividamento e da rigidez do sistema financeiro.
No campo cambial, Gove também é incisivo: “Apesar de depreciações assinaláveis do metical, as exportações permanecem insensíveis e as importações crescem”. Este comportamento, segundo ele, contraria a teoria clássica da elasticidade cambial e está associado à “dependência de um leque estreito de produtos primários com baixa agregação de valor”, bem como à falta de alternativas internas aos bens importados.
A urgência das reformas estruturantes
A resposta, segundo Gove, não está apenas em mais reformas monetárias, mas na criação de uma base económica sólida. “Reformas estruturantes são necessárias para aumentar a eficácia das políticas convencionais”, declarou, defendendo uma abordagem integrada que inclua modernização agrícola, industrialização, melhoria da infraestrutura, reforma tributária, educação orientada para a produtividade e fortalecimento do sistema financeiro.
A sua proposta articula-se em torno do modelo Quintuple Helix, do académico Constant D. Beugré, que defende a cooperação estratégica entre Governo, sector privado, instituições de ensino superior, sociedade civil e organizações internacionais. Este modelo, nas palavras de Gove, “permite desenhar uma agenda nacional de longo prazo que escape à lógica dos programas de curto prazo e à fragmentação da intervenção económica”.
Gove também alertou para o risco de que o empreendedorismo informal — que domina a maior parte da actividade económica — não gera emprego de qualidade nem promove o crescimento. “Não é possível um país tornar-se uma potência económica se a maioria dos seus cidadãos estiver ligada à actividade informal”, afirmou com firmeza.
Política económica sem base real é exercício de curto alcance
A conclusão do antigo Governador é clara: “a política económica só será eficaz quando o sector real da economia for suficientemente forte, diversificado e integrado”. Enquanto isso não ocorrer, políticas de juro e câmbio continuarão a ter “efeitos marginais, muitas vezes reactivos, e desprovidos de impacto estrutural”.
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p style=”margin-top: 0in;text-align: justify;background-image: initial;background-position: initial;background-size: initial;background-repeat: initial;background-attachment: initial”>Ernesto Gove encerrou com um apelo à acção conjunta dos diversos actores da sociedade moçambicana: “É essencial que trabalhemos sobre uma agenda nacional verdadeiramente consensualizada, que assegure crescimento, emprego e estabilidade para as próximas gerações”.
Fonte: O Económico