Antes das meias finais, Fábio Magalhães sorri que «parece parvinho», emociona-se a lembrar Quintana e… sonha como os maiores
Sabe aqueles dias em que a felicidade é tão plena que é impossível disfarçar? Em que o sorriso sai no final de cada frase. Tão natural como a respiração. Um suspiro de alegria a cada pausa. Foi nesse estado que encontrámos Fábio Magalhães na manhã seguinte ao apuramento de Portugal para as meias-finais do Mundial. Num sentimento que contagia.
«Até parecemos um bocado parvinhos, mas é bom. É muito bom», atira do outro lado da linha. «Parece que a ficha ainda não caiu e a malta ainda não percebeu bem o nível que atingiu. Foi um jogo de raça, alma e coração. Foi preciso muito para lutar contra as adversidades, mas conseguimos dar a volta por cima e ganhar, que era o que queríamos», acrescenta o jogador mais internacional de sempre do andebol luso, em conversa com A BOLA, após a vitória de Portugal sobre a Alemanha, no prolongamento.
É verdade. Pode beliscar-se as vezes que quiser. Os Heróis do Mar estão entre as quatro melhores equipas do Mundo. E Fábio Magalhães assume que sentiu o grupo a acreditar que isso seria uma realidade no final dos primeiros 30 minutos da partida frente aos germânicos, quando Portugal foi para o intervalo a vencer por 13-9.
«Com a 1.ª parte, saímos para o balneário com a clara ideia de que estávamos muito bem. E que podíamos ganhar e passar. Depois tivemos o vermelho do Frade, e um momento em que estávamos com duas exclusões, e aí ficámos ali com alguma dúvida, mas foi incrível a raça e crença que conseguimos meter nesses momentos. E depois o prolongamento foi uma coisa surreal. Ainda parece que está tudo a passar na cabeça em câmara acelerada, meio destrambelhada», confidencia, numa gargalhada.
E o sorriso, que se mantém no rosto do jogador de 36 anos só aí esmorece. Culpa de uma força maior e omnipresente no seio da Seleção.
«Esta história tem momentos que parece que foram escritos. Por quem? Não me ponha aqui a chorar… [pausa longa] isso já são coisas… [tenta limpar a voz]. É impossível não lembrar. Ele está cá sempre presente. E vai estar. Sempre.»
Fábio Magalhães não pronuncia o nome. Mas qualquer adepto de andebol sabe de quem ele fala. Quem é a força maior que, desde 2021, parece ter-se transformado numa força invisível que surge quando os Heróis do Mar mais precisam.
Alfredo Quintana, pois claro.
«O acreditar sempre, fosse contra quem fosse. Isso é uma coisa que, sem dúvida, foi ele que nos incutiu. E que permanece cá», reforça, ainda com a voz embargada.
Mais do que ninguém Fábio Magalhães está a beber cada segundo deste Mundial que, já admitiu, poderá ser o seu último. E talvez também um poucochinho mais do que todos, dirão aqueles que acompanharam o percurso dele de perto, merece estar a viver este momento histórico. Porque o jogador formado no ABC e que representa o FC Porto pela sétima época consecutiva esteve lá nos momentos mais baixos da Seleção.
Entre Europeus e Mundiais, o jogador que conta com 192 internacionalizações AA esteve em10 apuramentos falhados de Portugal para grandes competições. No período em que o conjunto luso esteve 14 anos sem ir e que só terminou em 2020.
«Dez? Nem sabia disso. Foi uma altura complicada, também com a questão da guerra entre Liga e Federação. Mas agora estou mesmo a desfrutar disto. Já agradeci muito a todos os meus colegas por todo o esforço, a luta e o querer que têm mostrado. Para mim, talvez mais do que para eles, é especial. Além de todos os anos que não conseguimos chegar às fases finais, sei que vou deixar de vir, mais tarde ou mais cedo. Por isso, estou a tentar aproveitar ao máximo e a dar o melhor de mim», nota.
Ora, e será que nesse regresso em 2020, também na Noruega, Fábio Magalhães acreditaria que em cinco anos a Seleção poderia alcançar umas meias-finais de um Mundial? Ele confessa que já havia sinais.
«O nosso primeiro Europeu já foi extraordinário. Chegámos ao 7.º lugar, o que nos deu algum alento para acreditar que todas as próximas poderiam vir. Depois tivemos algumas lesões, outras vezes em que achávamos que poderíamos e deveríamos ter ido mais longe… mas vínhamos para este Mundial com a clara convicção de que os quartos de final eram uma meta atingível. Apesar de todas as seleções que tivemos de deixar pelo caminho. Não foi brincadeira: Noruega, Espanha, Suécia… Mas começámos a agarrar-nos a este sonho e a querer fazer tudo para chegar mais longe», refere.
E se não foi brincadeira até aqui, o que se segue é tarefa de gigante. Pela frente nesta sexta-feira (19h30) está a super-Dinamarca, campeã olímpica e tricampeã Mundial, que não perde um jogo em fases finais de Campeonatos do Mundo desde 22 de janeiro de… 2017. São 35 jogos sem perder! E Fábio Magalhães sabe a dureza da tarefa que os Heróis do Mar têm pela frente.
«A Dinamarca é uma super-equipa incrível, vamos dar o máximo como temos feito em todos estes jogos e depois logo se vê. Vamos defrontar a equipa que todos queriam evitar. Calhou-nos a fava na meia-final. É ir à luta outra vez. Já fizemos coisas que muitos não achavam possível. Agora temos a melhor equipa do mundo, mas temos de preparar bem o jogo como até aqui. Tem sido incrível a preparação que temos feito para os jogos. Vamos tentar fazer mais do mesmo: lutar, seguir o plano no ataque e dar a alma na defesa», receita.
Mas mesmo que Portugal não vença, já sabe que terá novo jogo marcado para domingo. E no seio do grupo, assumiu o selecionador Paulo Jorge Pereira, falava-se na ambição de chegar às medalhas desde o início do estágio. Ideia que o lateral confirma, sorridente.
«Uma pessoa tem de sonhar e partilhar o sonho que tem. Viemos com muita confiança para este Mundial. Falou-se disso, mas já se tinha falado antes e ficámos muito aquém. Desta vez apontámos claramente aos quartos de final, felizmente, vamos às meias. E é incrível! O que vier é extra. É de doidos aquilo que estamos a conseguir».
De loucos. Parece mesmo um guião escrito por alguém muito especial.
Fonte: A Bola