Resumo
O Fundo Monetário Internacional alerta que o regime atual de capital bancário não é adequado para lidar com os choques energéticos, cambiais, soberanos e de liquidez que ocorrem de forma simultânea e persistente. O relatório "Rethinking Macroprudential Capital Buffers" destaca que o sistema foi concebido para um ambiente mais estável e previsível, não considerando a realidade contemporânea dos mercados financeiros. O FMI aponta que as regras atuais foram desenhadas com base na ideia de choques temporários e separados no tempo, o que já não se verifica. A estrutura regulatória existente, como Basileia III, não está preparada para lidar com choques múltiplos e correlacionados de longa duração. O relatório destaca a necessidade de rever e adaptar o sistema para enfrentar os desafios atuais.
<
p style=”margin-top: 0in;text-align: justify;background-image: initial;background-position: initial;background-size: initial;background-repeat: initial;background-attachment: initial”>O Fundo alerta que o regime actual de capital bancário foi concebido para um ambiente mais previsível e estável, tornando-se inadequado perante choques energéticos, cambiais, soberanos e de liquidez que ocorrem hoje de forma simultânea e persistente.
No relatório Rethinking Macroprudential Capital Buffers, o Fundo Monetário Internacional lança um alerta contundente: o regime de tampões macroprudenciais utilizado globalmente foi desenhado “para um mundo mais calmo”, baseado na suposição de que os choques seriam cíclicos e separados no tempo. Hoje, admite o FMI, as economias enfrentam “um ambiente de riscos simultâneos, correlacionados e cada vez mais persistentes”, o que torna grande parte da estrutura regulatória inadequada para a realidade contemporânea dos mercados financeiros.
Um quadro construido para um mundo que desapareceu
O FMI sustenta que a estrutura macroprudencial actual assenta numa visão ultrapassada da dinâmica do risco. O relatório afirma que “as regras foram desenhadas partindo do princípio de que os choques seriam temporários e que os bancos teriam tempo suficiente para reconstruir capital entre episódios de stress”. O Fundo reconhece, porém, que esta premissa já não se verifica: “o ambiente macrofinanceiro é hoje caracterizado por múltiplos choques simultâneos, altamente correlacionados e de duração prolongada”.
A lógica que orientou Basileia III e o enquadramento dos tampões — a lógica de ciclos previsíveis, alternância entre bonança e aperto e possibilidade de recomposição gradual do capital — está agora profundamente fragilizada. “O sistema foi desenhado para amortecer choques isolados, não para suportar choques compósitos”, refere o relatório.
Quando liquidez e capital se tornam vinculativos ao mesmo tempo
O FMI descreve um problema central: os requisitos de liquidez e de capital tornam-se frequentemente vinculativos em simultâneo, o que potencia reacções pró-cíclicas. Segundo o documento, “o regime de tampões pode, em vez de suavizar o ciclo, amplificar o aperto das condições financeiras”. Quando os bancos enfrentam pressões simultâneas sobre liquidez e solvabilidade, a resposta típica é restringir crédito, vender activos e reduzir risco, agravando a desaceleração da economia real.
O relatório observa ainda que os choques energéticos, a volatilidade cambial, as tensões soberanas e o aperto das condições de liquidez global criam um tipo de stress sistémico que “não encaixa nas premissas tradicionais que sustentam os tampões macroprudenciais”.
A grande falha: tampões que não são usados
Um dos pontos mais incisivos do relatório diz respeito à reduzida “usabilidade” dos tampões. O FMI afirma, de forma explícita: “em muitos casos, os bancos evitam utilizar os tampões mesmo quando enfrentam choques significativos”. O Fundo identifica três mecanismos críticos: o estigma regulatório, o receio de reacções adversas do mercado e a incerteza quanto ao tempo necessário para repor capital após o stress.
A consequência é perversa. “Um tampão que existe apenas no papel, mas que não é utilizado na prática, deixa de ser um amortecedor de risco e torna-se um amplificador de instabilidade”, avisa o FMI.
Da transmissão monetária ao risco sistémico: o caso das economias emergentes
O relatório chama particular atenção para economias com sistemas financeiros estreitos e com forte exposição soberana. O FMI afirma que “em sistemas onde a carteira soberana é dominante, a política monetária perde eficácia e o risco soberano transmite-se directamente ao sistema financeiro”. Quando os bancos destinam grande parte dos seus balanços à dívida pública, têm pouca capacidade residual para expandir crédito ou absorver perdas.
O Fundo nota que estes sistemas enfrentam uma forma de vulnerabilidade circular: menor profundidade financeira limita a capacidade de absorção de choques; a concentração soberana transforma problemas de transmissão em problemas de estabilidade; e tampões pouco utilizáveis agravam a situação. O FMI escreve que “a usabilidade reduzida dos tampões, combinada com sistemas financeiros estreitos, cria fragilidades que podem tornar choques moderados em riscos sistémicos”.
Reforma estrutural: tampões utilizáveis, flexíveis e credíveis
O FMI defende que a reforma dos tampões de capital deve ser profunda e não meramente técnica. O relatório recomenda uma comunicação mais clara das autoridades no sentido de tornar explícito que “a utilização dos tampões é desejável e esperada durante episódios de stress”. Defende ainda calendários previsíveis de reposição, maior flexibilidade descensional em períodos de choque e uma calibragem mais realista em função do risco efectivo, e não de regras uniformes aplicadas sem atender às características das economias.
O Fundo sintetiza esta ideia num ponto crucial: “um tampão eficaz é um tampão que pode ser usado”. E acrescenta que a credibilidade dos regimes macroprudenciais depende directamente da confiança dos bancos de que não serão penalizados por recorrer aos instrumentos que lhes foram atribuídos para absorver choques.
A avaliação do FMI é clara e desconfortável: a arquitectura macroprudencial internacional não reflecte a complexidade do mundo actual. Para que os tampões cumpram a sua função, é necessário reconstruir confiança, reformular regras, ajustar calibrações e assegurar que os bancos podem efectivamente utilizá-los quando enfrentam choques. Num ambiente de riscos simultâneos, é a usabilidade — e não apenas a existência — que determina se os tampões amortecem ou amplificam a instabilidade.
Fonte: O Económico






