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p style="margin-top: 0in;text-align: justify;background-image: initial;background-position: initial;background-size: initial;background-repeat: initial;background-attachment: initial">A reintrodução do “Current Policies Scenario” reflecte mais cedência política do que análise prospectiva, enquanto o sector petrolífero revela, pelos seus próprios números, um movimento claro para colmatar lucros e preparar o declínio estrutural.
A pressão política sobre a Agência Internacional de Energia levou à reintrodução do “Current Policies Scenario” (CPS), um cenário pró-combustíveis fósseis que pressupõe ausência de novas políticas climáticas até 2050. Contudo, uma leitura rigorosa dos dados operacionais e financeiros demonstra que a realidade vai na direcção oposta: o sector petrolífero está a entrar num ciclo de maturidade e de colheita, e não numa era de expansão. A transição energética está a ser construída nos balanços e nos planos de investimento, independentemente da retórica política.
Pressão Política e o Regresso de um Cenário Desalinhado com a Realidade
A ameaça pública do Secretário de Energia dos EUA, Chris Wright, de retirar financiamento à IEA resultou na reactivação do CPS nos relatórios oficiais. O cenário, defendido por sectores pró-fósseis como suposto “retorno à realidade”, é na verdade um gesto político que mascara a evolução tangível do sector energético.
O CPS assume que a inovação energética estagna em 2030 e que a procura por petróleo e gás continua indefinidamente — ignorando transformações já consolidadas em electrificação, produtividade energética, substituição tecnológica e competitividade das renováveis.
Capex Estagnado Revela Indústria a Preparar o Pós-Pico
Ao contrário da narrativa de “crescimento robusto” que parte do CPS sugere, os números evidenciam um sector a operar com disciplina severa de capital.
Desde o pico de investimento de 2014-2015, o capex upstream caiu quase 40%, estabilizando entre 550 e 600 mil milhões de dólares por ano — patamar suficiente apenas para manter um plateau produtivo, não para expandir capacidade.
A diferença entre discurso e prática é evidente: a indústria não está a reinvestir para crescer, mas sim a reter caixa para distribuir dividendos e financiar programas agressivos de recompras. Este comportamento é típico de um sector maduro a maximizar retorno no curto prazo, enquanto reconhece que o ciclo de crescimento já ficou para trás.
Para cumprir o cenário CPS, seria necessário um aumento anual de 200-300 mil milhões de dólares em capex — um salto que nenhuma petrolífera está disposta a fazer.
O Fim da Era da Exploração e o Sinal de Alarme das Agências de Rating
A queda abrupta do investimento em exploração — cerca de 60% na última década — confirma a mudança estrutural. A maioria das grandes petrolíferas dedica menos de 10% dos seus orçamentos upstream à procura de novos recursos.
Mesmo descobertas significativas, como a da BP no Brasil, são projectos que só entram em produção dentro de 10 a 15 anos, quando a procura global já não justificará novos volumes.
As agências de notação financeira têm acompanhado este movimento: S&P e Fitch têm revisto negativamente a perspectiva do sector, penalizando empresas que insistem em novos projectos de longo ciclo.
O caso recente da Woodside, castigada por um único empreendimento de LNG de custo elevado, é revelador.
Fusões, Aquisições e Consolidação: A Coreografia de um Sector em Retirada
O sector vive um ciclo acelerado de consolidação, com transacções de grande escala (como Exxon-Pioneer e Chevron-Hess) que representam sobretudo optimização financeira e não expansão produtiva.
A reconfiguração de portefólios traduz a percepção de que muitos activos não estão tecnicamente “encalhados”, mas tornam-se economicamente inviáveis, sendo absorvidos por empresas com maior balanço para extrair valor remanescente.
Porquê Esta Mudança? Porque a Procura Está a Ceder
A narrativa de que a procura petrolífera continuará a crescer indefinidamente não resiste à evidência empírica.
Transportes no limiar da substituição eléctrica
A gasolina atinge o pico global em 2025, segundo dados da própria IEA. Os veículos eléctricos já estão a deslocar 4-5 milhões de barris por dia até 2030, impulsionados por preços competitivos e pela liderança tecnológica da China.
China em dupla transição
O maior consumidor incremental de petróleo entrou numa fase de queda de crescimento da procura. Simultaneamente, as emissões do seu sector eléctrico começam a atingir o pico, com renováveis já a substituir carvão em ritmo histórico.
Petroquímica, aviação e LNG: motores insuficientes
Os sectores citados como novos pilares do crescimento fóssil não têm escala para compensar perdas rápidas no transporte rodoviário e na geração eléctrica.
Além disso, o “boom” do LNG enfrenta risco massivo de activos encalhados devido à oferta excessiva prevista para o final da década.
O Risco Para Investidores: A “Retirada Silenciosa” Pode Ser Fatal Para Quem A Ignora
Para o mercado obrigacionista, o risco é assimétrico: baixo retorno para exposição elevada a queda estrutural da procura.
Para accionistas, a questão é de oportunidade: por que financiar uma indústria em declínio quando a economia electro-tecnológica global está a absorver capital e a gerar retornos superiores?
Para projectos fósseis de longo ciclo — como grande parte do LNG norte-americano — o risco de ficarem encalhados logo à concepção é agora significativo.
O Capital Já Escolheu: O Novo Sistema Energético Está a Ser Construído
A reintrodução do “Current Policies Scenario” pela IEA ocorre num momento em que o sector energético global evidencia mudanças estruturais já consolidadas nos padrões de investimento, na evolução tecnológica e nas estratégias corporativas. A disciplina de capex, a redução sustentada da exploração, o aumento das fusões e aquisições e a expansão acelerada do investimento em energias limpas sugerem que as empresas estão a reposicionar-se para um ambiente de procura mais moderada no longo prazo.
A evolução recente do mercado, incluindo sinais de pico em segmentos específicos da procura e o reforço da electrificação em grandes economias, indica que o sector se encontra num ponto de transição cujo trajecto dependerá tanto de condições económicas como de dinâmicas tecnológicas e regulatórias. Assim, a reactivação do CPS deve ser interpretada no contexto mais vasto das mudanças em curso, cuja trajectória continuará a ser acompanhada por investidores, reguladores e analistas do sistema energético global.
Fonte: O Económico






