Livre e Direto é o espaço de opinião semanal de Rui Almeida, jornalista
Faz parte de um lote restrito de dirigentes que, ultrapassando décadas e dobrando o século, deixaram uma marca indelével na gestão e na imagem dos respetivos clubes. Porque é isso mesmo que se pretende de um dirigente marcante no tempo e no espaço: que tenha uma ideia de clube, um caminho estabelecido, objetivos bem definidos e uma política desportiva interna e externa que conduza à consolidação da sua estrutura, à promoção da sua imagem e à obtenção de resultados práticos.
Se folhearmos os manuais, é justamente disso que se trata. De agarrar uma estrutura frágil e pouco profissional, dotá-la de mecanismos de quase indestrutíveis, oleá-la na ação, definir metas porventura de muito difícil prossecução (pelo menos, numa análise inicial, a tal que surpreende tudo e todos…), musculá-la, encontrar ‘players’ (com e sem aspas), treinadores com o mesmo ADN e idêntica resiliência, arregimentar os objetivos com uma comunicação única, disruptiva e mobilizadora.
A guerra Norte-Sul, claro, não se justifica num país com apenas 650 quilómetros de distância entre os extremos geográficos da sua componente continental. É uma dimensão quase irrisória para justificar esse claro estabelecimento de fronteiras.
Mas, a dado passo, e para obstar a um claro domínio dentro e fora do campo (entenda-se, nas estruturas dirigentes do desporto português, na sua tendência evidente de centralização para a capital do poder representativo e decisório), foi importante o discurso regionalista, de clivagem, de assunção notoriamente bairrista, assumido estrategicamente para chamar a atenção, numa primeira fase, e inverter a situação, num segmento complementar de tempo e espaço. A capacidade para despistar talento e projetar ambição é algo que nunca deverá estar alheado de um dirigente de topo e de referência.
Despistar talento, criar condições para o seu desenvolvimento gradual e para a sua eventual transformação em atleta de alto nível, quiçá também no natural entendimento que, pelas suas condições e marginalidade na indústria desportiva, Portugal e os seus principais clubes deverão sempre olhar para o setor da formação como determinante para o seu sucesso financeiro e para a sua estabilidade estrutural.
Projetar ambição através de um forte enquadramento externo (a tal comunicação forte e decidida para associados e simpatizantes — novos e não tão recentes — que sempre se orientou para a mobilização em torno das vitórias como elemento de alavanca em relação aos inimigos que, afinal, mais não eram do que apenas adversários…), mas levá-la também para o patamar da diplomacia desportiva, com a crescente movimentação de bastidores para influenciar decisores e colocar os interesses do clube e da região, tantas e tantas vezes, acima dos interesses pessoais ou de carreira através das posições ocupadas.
E ainda criar, na comunicação interna, uma marca que funcionava como vacina à entrada do centro de treinos, do pavilhão ou do estádio. Um discurso de conquistas, de valorização pessoal e profissional do atleta, uma espécie de mundivisão interna que se catapultava para o elemento seguinte do processo: a atitude, o jogar à Porto, o encarar adversários de punhos e dentes cerrados até ao último segundo do último jogo da última competição de cada época.
Ao longo de mais de quarenta anos de uma notável carreira pelo seu clube, Jorge Nuno soube fazer amizades para a vida no desporto. E, curiosamente, as maiores amizades fê-las com Dirigentes (assim, com D maiúsculo), dos que, infelizmente, começam a escassear gravemente no panorama nacional. Com João Santos, um dos últimos Grandes Senhores a ocupar a mais importante cadeira da Direção de um dos grandes rivais. Do Benfica, também Fernando Martins, claro, ao ponto de os dragões continuarem a utilizar o Altis como hotel de referência em todas as suas pernoitas na capital ou arredores. Do Sporting, João Rocha, claro, alguém contemporâneo na liderança do clube e de quem Jorge Nuno (confessou-mo há pouco mais de um ano, numa conversa no seu gabinete do estádio do Dragão), bebeu ensinamentos para a vida enquanto gestor e, sobretudo, fazedor da tal ideia global de clube que haveria, entretanto, de transportar para o FC Porto.
Talvez tenha, nos últimos anos, ficado refém de um grupo menos qualificado tecnicamente. Seja nos movimentos diretivos, seja nas influências externas e nas pressões sofridas enquanto líder, no prolongamento do seu magistério por mais um ou dois mandatos. Talvez tenha saído por uma porta demasiado pequena para o que o clube, a cidade e a região lhe devem, mas também o país e o mundo do desporto, tantas foram as lições que dos seus mais de quarenta anos enquanto Presidente de uma instituição podemos e devemos retirar da sua atuação e, acima de tudo, do modo como, intransigentemente, sem tréguas e sem pausas, soube defender o seu emblema, a sua causa e o seu coração.
Talvez também por isso estejamos perante o maior dirigente desportivo da história portuguesa, e que a mesma (a História), se encarregará de honrar e majorar quando, por deferência do Tempo (o outro inelutável elemento de ponderação), vier a lembrar a obra de Jorge Nuno com o distanciamento, o equilíbrio e o agradecimento que a espuma dos dias e as rivalidades fúteis e de memória seca não o permitem.
Esta sábado será, por certo, um dia especial para Rui Silva. O internacional português regressa ao país depois de sete anos e meio no futebol espanhol (quatro em Granada e três e meio em Sevilha). É o reconhecimento da enorme capacidade deste gigante de 1,90 metros, que retém do Nacional a única experiência no seu país e que entra agora pela porta grande de Alcochete e Alvalade, preparado para fortalecer a baliza do campeão nacional de futebol. É uma ótima notícia para Rui Borges e para os sportinguistas, e um piscar de olho merecidíssimo para o guarda-redes que agora deixa o Bétis.
Se bem se lembram, Luís Castro estava a rubricar uma ótima temporada no Botafogo e trocou o emblema carioca pelo Al Nassr, da liga saudita. Agora, é Artur Jorge quem consegue resultados fantásticos nos alvi-negros do Rio de Janeiro (título no Brasileirão e vitória na Copa dos Libertadores), e atravessa meio mundo para assinar pelo Al Rayyan, igualmente do campeonato da Arábia Saudita. Há três denominadores comuns nos dois casos: excelente trabalho realizado no Brasil, ingresso na liga saudita e… dinheiro. Apenas este último fator pode justificar as opções (com muito de comum) de dois talentosos treinadores de futebol portugueses. Não concordo, não gosto. Talvez perceba. Mas apenas em parte…
Fonte: A Bola