Num contexto em que o debate sobre o papel e a viabilidade das companhias de bandeira volta a ganhar força em África, a reestruturação da Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) impõe-se como um caso emblemático da tensão entre ambição nacional, realismo financeiro e exigência de boa governação.
Na recente sessão plenária da Assembleia da República, o Ministro dos Transportes e Logística, João Matlombe, não fugiu à frontalidade. Reconheceu que a actual performance da LAM está aquém das expectativas dos moçambicanos e apontou, com inusitada clareza, que práticas como as viagens gratuitas do Governo em voos da companhia têm de ser inibidas, por minarem a sustentabilidade da empresa. “Não existem milagres”, afirmou — sublinhando que a recuperação da transportadora nacional depende do compromisso de todos.
De perdas históricas à procura de uma solução estrutural
Entre 2021 e 2024, a LAM acumulou perdas superiores a 127 milhões de dólares. Em 2023, registou-se o maior prejuízo: cerca de 62 milhões de dólares. A tentativa de transição de gestão por meio do contrato com a Fly Modern Ark, empresa sul-africana, tornou-se controversa. Embora recomendada por uma comissão ministerial, revelou-se um acordo carente de mecanismos de responsabilização. A revelação pública de que a FMA teria sido expulsa do Zimbabwe foi posterior à assinatura do contrato, o que levanta sérias questões sobre os processos de due diligence.
Para responder à crise, o Governo optou por uma solução interna e pública: recapitalizar a LAM através da entrada de três empresas estatais — a Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), os Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM) e a Empresa Moçambicana de Seguros (EMOSE). Estudos técnicos indicam que, com investimentos adequados e uma reestruturação firme, a LAM poderá atingir estabilidade financeira num prazo de três anos.
Lições de África: entre sucesso, sobrevivência e colapso
A estratégia moçambicana não está isolada no continente. A Etiópia, com a Ethiopian Airlines, tornou-se referência de gestão eficiente, mantendo-se lucrativa e em expansão, graças à sua autonomia operacional e foco estratégico. Já Angola tem enfrentado desafios com a TAAG, que passou por sucessivos processos de reestruturação, ora com apoio externo, ora com substituições de direcção, sem ainda alcançar o equilíbrio desejado.
No Quénia, a Kenya Airways oscilou entre privatizações e intervenções públicas, sem estabilidade duradoura. A tendência regional revela que, sem reformas estruturais, a intervenção estatal tende a repetir os erros do passado, criando dependência em vez de recuperação.
Moçambique, ao optar por uma capitalização cruzada entre empresas públicas, corre o risco de apenas deslocar o ónus da ineficiência. Para evitar isso, será essencial garantir uma governação corporativa robusta, mecanismos de responsabilização, e uma gestão verdadeiramente profissionalizada.
O momento da verdade
A LAM encontra-se numa encruzilhada: ou se transforma numa empresa moderna, transparente e centrada no serviço público e na eficiência — ou continuará a ser um fardo orçamental e um símbolo do insucesso de reformas mal conduzidas. A mensagem do Governo é clara: é preciso romper com o passado e construir uma companhia aérea que honre o país e sirva os moçambicanos.
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p style=”margin-top: 0in;text-align: justify;background-image: initial;background-position: initial;background-size: initial;background-repeat: initial;background-attachment: initial”>Mas a verdadeira questão permanece: será esta mais uma tentativa de resgate, ou um plano com rumo definido e viável? O tempo — e o rigor na execução — serão os únicos árbitros.
Fonte: O Económico