Resumo
O Mafalala Rugby Club celebra 10 anos de existência, com Rui Veríssimo como treinador e mentor do projeto. O clube foi fundado em 2015 por Paulo Mourinello e Omar, com o objetivo de promover o rugby na Mafalala. Antes disso, em Moçambique, apenas o Maputo Rugby Club existia. Veríssimo destaca a importância de trabalhar com os jovens do clube, sendo cativado desde o primeiro treino. Ele elogia a evolução dos atletas ao longo do tempo e partilha a emoção de ver os sonhos e ambições dos jovens moçambicanos a ganharem forma. Paulo Mourinello e Omar, os fundadores, não puderam estar presentes devido a compromissos profissionais no estrangeiro.
Revista Tempo : Quando e como surge o Mafalala Rugby Club?
Rui Veríssimo: O Mafalala Rugby Club surge em 2015, por iniciativa do Paulo Mourinello, que é uma das figuras principais e um dos grandes impulsionadores deste clube. O Paulo desafiou o Omar a criar um clube aqui no bairro da Mafalala e a convidar amigos para começarem a reunir-se e a praticar rugby. Antes de 2015, existia apenas um clube de rugby em Moçambique, o Maputo Rugby Club, que treinava e jogava no Parque dos Continuadores. Muitas vezes, eram sempre os mesmos jogadores a fazer jogos entre si.
Deste desafio nasceu o Mafalala Rugby Club, oficialmente no dia 25 de Dezembro de 2015. Estamos agora muito próximos de completar 10 anos. Gostaria muito que o Paulo e o Omar estivessem aqui a contar esta história desde o início, mas infelizmente, por motivos profissionais, encontram-se fora do país.
Rui Veríssimo - treinador e mentor do projecto
Revista Tempo :O que tem a partilhar sobre a sua trajectória no clube?
Rui Veríssimo : A minha trajectória aqui é um pouco curiosa. Em 2020, o Paulo Mourinello já me andava a insistir há mais de um ano para ir ajudar a treinar os miúdos. Dizia-me sempre: “Rui, vem treinar um dia, eu treino no outro”.
Até que, depois de tanta insistência, aceitei. Combinámos que eu iria treinar uma vez por semana e ele noutra. Mas desde o primeiro treino que fiz aqui, houve algo que me cativou profundamente. Os miúdos conquistaram-me e, a partir daí, comecei a estar constantemente presente no clube.
RT: O que o inspira a trabalhar com estes jovens e como avalia a evolução deles ao longo do tempo?
RV: O que me inspira é a possibilidade de mostrar a estes jovens que existem caminhos muito melhores do que aqueles que, muitas vezes, a vida lhes apresenta como sendo os mais fáceis. A Mafalala é um bairro com muitos problemas sociais: alcoolismo excessivo, drogas, roubos e prostituição. Quando comecei a treinar estes miúdos e vi tantos jovens a passar pelo campo, percebi que havia aqui um enorme potencial para criar uma associação sólida e desenvolver projectos que ajudassem a encaminhá-los para um bom rumo na vida.
O nosso objectivo é evitar que abandonem os estudos e, para aqueles que já são adultos, ajudá-los a obter uma formação profissional ou oportunidades de trabalho. O rugby acaba por ser essa alavanca que lhes dá oportunidades que, de outra forma, talvez nunca tivessem.
RT: Houve algum atleta que o tenha surpreendido e que hoje seja um exemplo para os outros?
RV: São todos exemplos. Cada um à sua maneira. Eu costumo dizer que aprendo mais com eles do que eles aprendem comigo. Eles ensinaram-me muito, sobretudo sobre resiliência, Tivemos atletas que vinham treinar sem sequer terem feito uma refeição durante o dia, outros caminhavam quilómetros a pé para chegar aos treinos. Tudo isso ensina-nos muito sobre força de vontade e determinação. Eu tento ensinar-lhes rugby e dar algumas orientações para a vida, mas eles dão-me lições diariamente.
RT: Que valores o clube procura transmitir aos jovens?
Tentamos transmitir os valores fundamentais do rugby. Acima de tudo, o rugby é um desporto colectivo. Não é individual. São 15 jogadores a empurrar todos para o mesmo lado, o melhor jogador só é tão bom quanto o pior jogador em campo. Por isso, trabalhamos valores como a entreajuda, a amizade, o companheirismo e o espírito de luta, sem desistir à primeira dificuldade que surge pelo caminho.
Desafios do Clube
RT: Quais têm sido os principais desafios do Mafalala Rugby Club?
RV: Os desafios continuam até hoje. O rugby em Moçambique ainda é um desporto muito novo, há muita desconfiança e poucas pessoas dispostas a apoiar projectos sociais ligados ao rugby. O maior problema é financeiro, vivemos constantemente com dificuldades. Fazemos angariações de fundos, vendemos t-shirts, organizamos eventos, porque nada se faz sem custos. Temos despesas com transporte, jogos, material e apoio às crianças, queremos, por exemplo, garantir um lanche para todas as crianças. Temos também o projecto de rugby escolar nas Unidades 22 e 23 da Mafalala, onde atletas do clube dão aulas quatro vezes por semana. Pretendemos apoiar essas escolas com lanches e material desportivo. Felizmente, já existe uma editora que demonstrou interesse em apoiar essa iniciativa.
RT: Existe algum apoio do Governo ou de entidades competentes?
RV: Existe uma federação de rugby em Moçambique, que até há cerca de três anos dava um pequeno apoio mensal. Contudo, há três anos que não recebemos absolutamente nada. Neste momento, o clube é sustentado essencialmente por mim, pelo Paulo Mourinello e por amigos que vamos “chateando” para ajudar com pequenas contribuições. Algumas empresas ajudam com serviços, o que já é muito positivo, mas muitas promessas acabam por não se concretizar, Já batemos a muitas portas. Algumas ajudaram bastante, outras nem por isso. É um trabalho diário de persistência.
RT: O Mafalala Rugby Club pode competir a nível internacional, por exemplo em Portugal?
RV: Neste momento, somos os actuais campeões nacionais e a equipa mais titulada de Moçambique nos últimos três anos, com dois títulos e um vice-campeonato. Temos um protocolo com uma associação em Portugal chamada Rugby na Vida. Há cerca de um mês, enviámos os dois primeiros jogadores do Mafalala Rugby Club para Portugal, onde já se estrearam na Divisão de Honra, a primeira divisão portuguesa. O clube que os recebeu, o Montemor, está muito satisfeito com o desempenho dos nossos atletas e reconhece o enorme potencial existente em Moçambique. Para nós, é um orgulho imenso ver jovens da Mafalala a realizarem o sonho de jogar fora do país. O campeonato moçambicano é curto, por isso muitos sonham jogar na África do Sul, em Portugal ou noutros países europeus. O sonho é o que os alimenta diariamente.
RT: Qual é o significado desta gala?
RV: Esta gala marca o início das comemorações dos 10 anos do Mafalala Rugby Club. O objectivo é apresentar o trabalho feito ao longo desta década, reunir atletas, familiares e potenciais patrocinadores, e também lançar e apresentar os projectos futuros, alguns dos quais já estão em andamento.
RT: Quais são as ambições do clube para os próximos cinco anos?
Queremos continuar a formar atletas e ajudá-los a alcançar os seus sonhos de jogar em ligas mais competitivas. Ambicionamos continuar a conquistar títulos nacionais e investir cada vez mais na formação de crianças. Temos também o projecto de construir uma sede do clube, com um espaço de convívio, uma sala para assistir jogos e uma sala de aulas para apoio escolar. Sabemos que o ensino nas escolas é muitas vezes deficitário, e queremos oferecer esse complemento educativo. Outro objectivo é ajudar jovens a ingressar em universidades, tanto em Moçambique como no estrangeiro, conciliando estudos e rugby. Além disso, pretendemos expandir para outras modalidades, como judo, taekwondo e boxe.
RT: Que mensagem deixa ao público e jogadores em geral?
RV: A mensagem é para todos. O rugby é um desporto duro, que no início assusta, mas está repleto de valores humanos. Quem aprende os valores do rugby aprende a ajudar o outro a levantar-se quando cai, a empurrar junto quando é preciso avançar e a proteger o grupo quando surgem dificuldades. São valores que formam não apenas atletas, mas pessoas melhores.






