Resumo
Mais de mil famílias afetadas pelo projeto de exploração de areias pesadas de Chibuto, em Moçambique, exigem o pagamento das compensações prometidas desde 2016. O Gabinete de Reassentamento reconhece uma dívida de 188 milhões de meticais, mas o Governo afirma que a maioria já recebeu compensações, num total de 68 milhões de meticais. O projeto, inaugurado em 2016, prometia progresso e melhorias para as comunidades locais, incluindo acesso a água potável. No entanto, as famílias afetadas relatam casas destruídas, terras perdidas e promessas não cumpridas. A população local contesta a demora nos pagamentos e lamenta a falta de respostas da empresa e do Governo, enquanto clamam por justiça e compensações devidas.
Em 2016 abriu-se um projeto de milhões de dólares em Chibuto, que criava promessas de progresso, de um novo começo. Era o projecto das areias pesadas que fora inaugurado pelo então Presidente da República, Filipe Nyusi, juntamente com o Embaixador da China em Moçambique, que prometeram transformar a vida das populações locais.
Na altura em que foi lançado o projecto, em 2018, o então Chefe do Estado falava de um projecto que iria prover água potável às populações. “É um grande empreendimento do gênero, um sinal maior, que vai prover água, não só às comunidades reassentadas, mas a muitos mais”, disse na altura Filipe Nyusi.
Por seu turno, o Embaixador da China, Su Jian disse que além do próprio investimento naquelas linhas de produção havia plano de construir algumas infraestruturas para as populações.
Debalde. Hoje são milhares de famílias afundadas, casas desmontadas, terras e sonhos empurrados por areias pesadas. As populações clamam agora pelas promessas feitas na altura.
“Se a empresa ver que não consegue me pagar, é só devolver os meus terrenos”, diz, frustrado Moisés Macuacua, afectado pelo projecto.
Um reassentamento onde o futuro prometido nunca chegou. Um processo que vinha coroado de promessas, de desenvolvimento, mas o que resta é o eco de uma esperança partida.
“Disseram que esta empresa trazia progresso em Mdumeia e cidade, mas não vejo mudanças”, lamenta uma das afectadas pelo projecto, secundada por Alda Machava, que afirma que houve desvio de aplicação.
“Os nossos dirigentes é que desviaram, exijo o meu dinheiro pela perda de cajueiros”, reclama Alda Machava.
O projecto de exploração de areias pesadas de Chibuto, avaliado em mais de 400 milhões de dólares, é assombrado por revoltas. A população local contesta a demora no pagamento das suas compensações.
“Mas tudo a empresa destruiu, mas até a data de hoje a empresa não está a responder nada. Nem dinheiro, nem emprego, nem nada. Não está a responder nada”, lamenta Felizardo Matsombe.
Para este, que é Oficial de Programas Conselho Cristão de Moçambique CCM, as populações de Chibuto afectados choram pelas perdas que tiveram.
“Até a data de hoje, desde 2016, até a data de hoje, nós estamos a chorar. Um milhão de meticais, até passa um milhão, porque levou-me os terrenos. Os meus terrenos são sete”, lamenta Felizardo Matsombe.
São histórias e rostos de quem procura por respostas, entre silêncios que duram há quase uma década. E as perguntas permanecem sem respostas: Afinal, as comunidades directamente afectadas foram ou não devidamente pagas? Onde, quando e como tudo começou?
Felizardo Matsombe diz que a empresa pagava 19 mil meticais por planta, mas baixou-se para 3 mil meticais. “E no meio de uma discussão com os beneficiários, o valor subiu para 12 mil, que é este valor que ainda não se completou com o pagamento das compensações”, explica.
Chibuto é palco, desde 2018, de movimentos de contestação, movidos pelas famílias reassentadas, que acusam o governo e a mineradora de ignorar os seus direitos, a começar pelas compensações.
Moisés Macuacua fala de mais de 30 cajueiros que tinha e que foram perdidos por falta de compensação de quem de direito. “Deram-me uma parte do valor, mas o remanescente está com o governo”, afirma.
Por seu turno, Mário Junior, também afectado e reassentado, diz que a demora é que cria situações de reclamações por parte das populações. “De 2016 para hoje já deviam ter fechado este processo, até porque houve da nossa parte paciência. Mesmo eles não teriam paciência igual neste período, portanto, isso revela falta de seriedade do governo”, frisa Mário Júnior.
Vítor Novella, de 56 anos de idade, nasceu e vive em Mdumeia, mas para dar lugar ao projecto de capitais chineses, deixou tudo para trás há 9 anos. Hoje chora pela perda que teve.
“Noutro ponto perdi seis cajueiros, mas não fui pago”, lamenta.
O grupo queixa-se da vandalização de campas onde jaziam os restos mortais dos seus. Enquanto outras continuam na área mineira e qualquer tentativa de procurar esclarecimento é reprimida, tal como revela Elisa Sambo.
“Destruíram tudo, mas num total de 23 campas só pagaram 11 mil meticais”, lamenta e reclama Elisa Sambo.
Empresa chinesa mantém-se no silêncio
Na última terça-feira, 28 de Outubro, a empresa chinesa optou uma vez mais pelo silêncio perante o eco das populações que exigem há nove anos o justo pagamento dos seus valores.
Não foram os responsáveis da empresa que falaram, e no seu lugar foram outras autoridades provinciais que deram as caras.
No caso foi o Director dos Serviços Provinciais do Ambiente, Jacinto Tualufo, que fala de um valor de cerca de 68 milhões de meticais pagos às famílias afectadas.
“Em relação a este grupo, este segundo grupo, o valor estimado nas compensações corresponde a 68 milhões do que foi pago. A maior parte das pessoas receberam, o que acontece é que as famílias entendem que foi pago 6 mil meticais por planta”, explica Jacinto Tualufo.
Mas o coordenador do Gabinete de Apoio ao Reassentamento de Exploração das áreas pesadas de Chibuto, actual vereador de Planificação e Urbanização do município do mesmo nome, apresenta outros números.
“Os valores pagos, temos acima de 219 milhões que foram pagos na primeira fase e houve uma reivindicação. A empresa voltou a pagar um valor acrescido de 3 mil meticais pela perda do cajueiro. Já estamos acima dos 190 milhões de meticais que foram pagos. Nessas condições temos cerca de 188 milhões por pagar”, disse Jacinto Macondzo.
Enquanto as populações locais contestam a demora no pagamento das suas compensações, dentro da mesma empresa chinesa, o eco de mais de 700 trabalhadores faz-se ouvir há anos.
Luís é um dos trabalhador da Dingsheng Minerals, em Chibuto, que explica que os chineses não olham para o lado humano dos moçambicanos.
“É verdade, morrem pessoas aqui. Um moçambicano, um colega nosso, foi enterrado no subterrâneo. Ele foi encontrado, mas no terceiro dia depois da sua morte”, conta.
O delegado da Inspecção Provincial do Trabalho, Sérgio Chirindza, avançou que o chinês esteve a violar a legislação. “Houve situações de falta de segurança para os colaboradores. Acima de 50 trabalhadores que não constavam da folha da empresa”, denunciou Sérgio Chirindza.
Várias advertências e recorrentes violações por parte da Dingsheng Minerals abriram espaço para medidas mais gravosas, incluindo a suspensão de actividades e multas, segundo explicou Sérgio Chirindza.
“Ascendeu a um milhão de meticais a multa aplicada. E continuaram. Foi um período de cerca de três semanas, um mês que essas irregularidades aconteceram, mas isso podemos confirmar”, frisou o Delegado da Inspecção de Trabalho.
As cinco comunidades afectadas e reassentadas pela mesma empresa continuam com as vidas mergulhadas num mar de incertezas. Isto porque desde 2016 aguardam pelo justo pagamento das suas indemnizações.
Fonte: O País

                                    




