Questões-Chave:
Moçambique passou a integrar o grupo de países africanos que reconquistaram a confiança dos mercados internacionais. O spread da dívida pública caiu para menos de 1.000 pontos-base em relação aos títulos do Tesouro dos EUA — limite que define o risco elevado de incumprimento. A melhoria da percepção de risco reflete uma revalorização dos fundamentos económicos do país.
A descida das taxas de juro exigidas pelos investidores para transaccionar dívida soberana africana representa uma inflexão importante no panorama financeiro do continente. Segundo a Bloomberg, Moçambique foi o mais recente país africano a baixar o seu spread para menos de mil pontos-base, retirando-se formalmente da chamada “zona de crise” da dívida.
Este marco é particularmente significativo, tendo em conta o percurso recente do país: marcado pelo escândalo da dívida oculta, elevados défices orçamentais, inflação elevada e uma crise cambial agravada pela pandemia.
“Observamos melhorias nos indicadores fundamentais em vários países da África Subsaariana, auxiliadas por programas do FMI, bem como algumas histórias de reformas impulsionadas internamente”, afirmou Joseph Cuthbertson, da PineBridge Investments.
Moçambique junta-se agora a economias como Zâmbia e Gana, que também recuperaram acesso aos mercados com spreads mais favoráveis, após reestruturações apoiadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
Disciplina Orçamental e Inflação em Queda
A tendência descendente das taxas de juro reflecte a combinação de melhor disciplina fiscal, redução gradual da inflação e estabilização da dívida pública, que ronda agora os 60% do PIB em média nos países da África Subsaariana.
No caso moçambicano, a consolidação fiscal tem-se manifestado através de reformas estruturais, maior contenção da despesa pública e medidas para alargar a base fiscal. A recuperação económica impulsionada pela produção e exportação de gás natural também contribuiu para a melhoria da percepção de risco.
Contexto Global e Procura por Rendimento
Com os juros globais ainda em patamares elevados e spreads relativamente comprimidos nos mercados emergentes tradicionais, muitos investidores estão à procura de activos com maior rendimento relativo.
“Faz sentido que os investidores procurem valor em títulos soberanos africanos com melhor perfil de risco-rendimento”, comentou Samir Gadio, do Standard Chartered.
Moçambique surge, neste contexto, como uma economia que combina riscos ainda elevados com sinais claros de ajustamento macroeconómico e estabilidade progressiva.
FMI: Estabilização sem Necessidade de Reestruturação
Um estudo recente do FMI indicou que os rácios de dívida na região subsaariana começaram a descer de forma significativa, mesmo sem processos formais de reestruturação. A maioria dos países terá registado quedas superiores a 10 pontos percentuais do PIB na sua dívida pública — resultado de recuperação da receita, controlo da despesa e apreciação cambial.
Moçambique entrar abaixo do limiar dos 10% de juro nos mercados internacionais não é apenas uma estatística — é um sinal simbólico e estratégico de reconquista da credibilidade. Depois de anos sob o peso do descrédito internacional, esta mudança pode abrir portas a novos financiamentos em melhores condições, apoiar o crescimento e reforçar o posicionamento do país nos mercados globais. O desafio, agora, é garantir que esta tendência se mantenha, com reformas profundas e duradouras que consolidem uma trajectória sustentável de desenvolvimento económico.
Fonte: O Económico