Resumo
A ONU tem como prioridade evitar uma corrida armamentista no espaço sideral, mas avanços tecnológicos e divisões geopolíticas indicam que esta já pode ter começado. Claudio Leopoldino, do Brasil, destaca a necessidade de definir o que constitui uma arma no espaço, incluindo armas antissatélite e interferências físicas ou eletromagnéticas. Ele alerta que as tensões geopolíticas terrestres podem refletir-se no espaço, sublinhando a importância do multilateralismo para evitar conflitos espaciais. Apesar de testes de armas antissatélite já terem sido feitos, a corrida armamentista no espaço está ainda num estágio inicial, com esperança de contenção através de processos multilaterais, à semelhança do que aconteceu com as armas nucleares no espaço.
O Conselheiro da Delegação Permanente do Brasil para a Convenção de Desarmamento das Nações Unidas, Claudio Leopoldino, conversou com a ONU News e disse que um dos desafios nas negociações internacionais é criar um entendimento comum sobre o que constitui uma arma no espaço.
Ataques e interferências contra satélites
“Existem algumas possibilidades que são incontestes, por exemplo, armas antissatélite, que são armas, são mísseis basicamente disparados da superfície terrestre que podem atingir satélites no espaço e destruí-los fisicamente. O que se chama de arma cinética, porque ela depende da energia cinética para provocar essa destruição. Há outras formas de interferência com objetos espaciais que não são cinéticas, que não dependem de destruição física, que seriam, por exemplo, dispositivos em terra ou orbitais capazes de interferir com o funcionamento de satélites”.
Essas interferências podem ser eletromagnéticas, para impedir a comunicação entre o satélite e sua estação de controle, ou físicas, fazendo um satélite rival mudar de órbita.
O especialista ressaltou que na visão de alguns países, qualquer objeto espacial pode ser usado como arma. Já para outros, é importante distinguir usos militares pacíficos, como o uso de satélites para a coleta de dados de inteligência e navegação.
Tensões geopolíticas replicadas no espaço
Leopoldino explicou que praticamente todas as forças armadas do mundo hoje usam dados obtidos por meio de satélites. Ele ressaltou a urgência de impedir que o espaço vire uma extensão dos conflitos e divisões que existem na Terra.
“E, de fato, há um risco de que tanto uma dimensão contamine a outra como ao contrário. Ou seja, tensões geopolíticas na Terra acabem levando a incidentes no espaço ou o contrário. E essas divisões certamente existem”.
Por outro lado, o especialista enfatizou o papel do multilateralismo em impedir que o cosmos se torne um novo campo de batalha.
“Até hoje não houve emprego de armas antissatélite em situação real, até hoje elas foram apenas testadas, mas há suspeitas de que já existam armas menos agressivas no sentido cinético de destruição física já em órbita no espaço exterior. Há quem afirme isso, mas é ainda impossível dizer com absoluta certeza. Mas, felizmente, se a corrida armamentista existe, ela ainda está nos seus estágios iniciais. E ainda há uma esperança de que, por meio de processos multilaterais, ela possa ser contida”.
Proibição de armas de destruição em massa na órbita da terra
Como exemplo positivo, ele lembrou que, embora a possibilidade técnica de colocar armas nucleares no espaço já exista há muito tempo, ela “foi contida por conta justamente de processos multilaterais”.
Leopoldino contou que desde a década de 60 foi estabelecida a percepção de que testes nucleares na órbita terrestre seriam “catastróficos”.
“O pulso eletromagnético gerado por uma explosão nuclear no espaço exterior se propaga sem a resistência que existe na atmosfera e pode contaminar os cinturões de radiação que existem ao redor da Terra, chamados cinturões de Van Halen, que fazem com que essa radiação permaneça ativa durante muito tempo”.
O diplomata ressaltou que a proibição da colocação de armas de destruição em massa no espaço é “o principal e talvez o único princípio jurídico específico” em vigor sobre a prevenção de uma corrida armamentista. Esse consenso deriva do Tratado de Proibição parcial de Testes Nucleares e do Tratado sobre o Tratado sobre Espaço Exterior.
 
Diplomacia brasileira em ação
Leopoldino foi membro do Grupo de Peritos Governamentais das Nações Unidas sobre a Prevenção da Corrida Armamentista no Espaço Exterior de 2023 a 2024. Ele acompanha de perto as negociações de um tratado internacional sobre o tema, que pode estabelecer novas proibições.
As discussões estão se desenrolando no âmbito da Assembleia Geral, com a participação de todos os membros das Nações Unidas.
O diplomata brasileiro contou que no ano passado aconteceu algo com “valor histórico”. Pela primeira vez, um “documento substantivo” foi adotado por consenso e pode servir de base para a negociação de um tratado, embora ainda não esteja claro se será um instrumento vinculante ou voluntário.
Leopoldino explicou que o Brasil, juntamente com outros países, desempenhou um papel importante de mediação que culminou na criação de um grupo de trabalho de composição aberta para compatibilizar posições e atenuar divergências.
Fonte: ONU

 
                                    
