«Não estava no meu melhor, mas Rui Borges acreditou em mim»

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Quando era criança, perguntaram-lhe se queria jogar de azul ou vermelho. Optou pelo azul, mas não demorou muito até vestir a camisola encarnada. Custou-lhe deixar o colo dos pais aos 11 anos, no entanto, foi no Seixal onde viveu a adolescência e algumas das experiências mais marcantes da carreira, ao lado de João Félix e outros nomes que vingaram no futebol internacional.

Apercebeu-se que a porta da equipa A dificilmente se abriria e teve um percurso conturbado até se fixar na Liga. Foi ao norte do país, coincidiu com Rui Borges na primeira experiência no banco do atual treinador do Sporting, festejou a conquista da Liga Revelação e, a partir daí, viveu anos com a calculadora nas mãos a fazer contas à luta pela manutenção, em clubes com a corda na garganta. Pelo meio, partilhou o relvado com craques como Kylian Mbappé e Neymar numa breve aventura em França.

Estava a fazer o melhor arranque de temporada da carreira no reencontro com Rui Borges, desta vez em Guimarães, mas decidiu voltar ao estrangeiro, para tentar a sorte noutro patamar. Atualmente luta pelo título na Rússia, com o Spartak, mas a experiência não está a correr totalmente como o esperado.

Na terceira parte da entrevista ao Maisfutebol, Ricardo Mangas assume que pensou em deixar o futebol quando completou a formação no Benfica. Confrontado com a realidade das divisões inferiores, foi Rui Borges quem lhe deu a mão. Depois, foi feliz na Vila das Aves e sentiu na pele os problemas financeiros do Boavista, de onde saiu magoado, antes de rumar a Guimarães, naquela que considera ter sido a melhor decisão da carreira.

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Foi emprestado ainda em júnior pelo Benfica ao Tondela. É um percurso um pouco estranho.

Foi entre ficar dez meses sem jogar ou seis meses sem jogar. Foi aquilo que aconteceu. Era o meu primeiro ano de júnior e não contava. Acabei por sair e procurar o meu espaço noutro lugar. Fui bastante feliz no Tondela. Não joguei na minha posição, foi a primeira vez na minha vida em que joguei como extremo, mas tive números bastante interessantes.

É nessa altura que começa a perceber que dificilmente chegaria à equipa A do Benfica?

No ano a seguir era o meu segundo ano de júnior, dividi os jogos com o Ricardo Araújo, mas na meia-final e final da Youth League foi ele quem jogou. Eu tinha jogado nos quartos de final. Tive uma reunião no Benfica Campus com o Bruno Maruta e ele disse-me para procurar uma solução, porque não ia ter espaço. Tinha o Ricardo Araújo e o Pedro Amaral à minha frente. Assino pelo Desp. Aves e até tenho uma história engraçada.

Qual?

Era um miúdo, comecei a treinar com o Salvador Agra, Nildo Petrolina… estávamos a fazer uma simulação de cruzamento e não sabia que o campo, acho que era o do Pevidém, tinha um desnível no lado esquerdo. Meteram-me a bola na profundidade, ia sozinho para cruzar, não vi o desnível e caí sozinho. E disseram-me que ia para o Mirandela (risos).

Não se assustou quando soube que ia para o Mirandela?

Pensei em largar tudo, que o futebol não era para mim.

A sério?

Foi um tombo muito grande. Estás no Benfica e, passado um mês, estão a emprestar-te ao Mirandela, que joga CNS. Foi difícil gerir isso e ponderei abandonar. Precisei de muita força. Foram dez passos atrás, mas podia ser que desse, tinha de ver como corria. Sou muito fiel àquilo em que acredito, que é o trabalho, comer bem… E correu tudo bem.

E é aí que apanha o mister Rui Borges, no início da carreira dele como treinador.

Talvez tenha percebido o contexto de onde eu vinha. Recebeu-me mesmo muito bem. Talvez não estava no melhor das minhas capacidades ao nível da confiança, mas sempre me disse para eu fazer aquilo que eu sabia fazer e que ele também sabia que eu era capaz. Sentir que alguém acreditava bastante em mim foi bastante importante. Tenho três ou quatro treinadores que acreditaram bastante em mim em momentos que precisava e isso fez toda a diferença.

O Rui Borges que reencontra em V. Guimarães estava muito diferente?

Gostava de o acompanhar. A época que ele fez com o Moreirense deu para perceber o trabalho dele. Essa época fala por si, tal como este início de época no V. Guimarães. É um treinador que vai ter muito, mas mesmo muito sucesso. Treinei com ele no Mirandela e no V. Guimarães e os princípios são os mesmos. Ele cresceu como treinador, subiu de patamar, mas sempre com as suas ideias. É uma força dele. Se treinas no CNS como na Liga e consegues ter sucesso, é sinal de que as tuas ideias são boas e as passas com muita facilidade à equipa. O mais difícil pode ser fazer com que os jogadores acreditem na tua ideia, mas ele fá-lo muito bem.

Agora no Sporting teve vários jogadores de fora, mas mantém-se no primeiro lugar.

Isso demonstra a maneira como ele consegue agarrar o grupo e passar as ideias dele. É um treinador bastante promissor e tem muitas coisas para conquistar ainda.

Na altura do Mirandela lutava pelo lugar com o Zaidu…

Não, não. Não há cá essa história (risos). O Zaidu tinha de jogar a central porque não conseguia jogar a lateral, a verdade é esta. Foi o Rui [Borges] quem escolheu.

No Desp. Aves viveu um misto de emoções. Destaca-se nos sub-23 ao vencer a Liga Revelação e a Taça Revelação, estreia-se na Liga, mas o clube não vivia o melhor momento.

No meu primeiro ano de sub-23 comecei a fazer os jogos todos, mas fiz uma rotura parcial do tendão de Aquiles e estive cerca de três meses parado. Quando voltei, a equipa estava bem, demorei a engatar, mas ainda deu. Fui campeão e ganhei a Taça. Mas no Desp. Aves tive uma história curiosa com o José Mota.

Conte.

Fui fazer um treino à equipa A e quando acabou ele disse: “Oh miúdo, anda cá. É só isto que tu jogas?”. Pensei logo que estava lixado (risos). Mas no Desp. Aves fui nomeado capitão dos sub-23, comecei muito bem a época com golos e assistências, o Augusto Inácio foi despedido, assumiu o Leandro [Pires] e eu pensei que ia subir com ele, mas não. Quando o Leandro sai, chegou o Nuno Manta Santos e estou muito agradecido porque me chamou à primeira oportunidade. Foi um jogo contra o Sp. Braga, estava a comer e ele veio ter comigo: “Estás preparado para levar com o Galeno?”. E até ganhámos 1-0.

Ainda nessa luta pela permanência e problemas em clubes, chega ao Boavista, também nessa situação. Mas aí o peso da camisola é diferente.

Foi bastante diferente, mas, depois do choque que vivi, senti que era algo mais estável à primeira vista. Fui a pedido do Vasco Seabra, que é uma pessoa muito especial para mim no mundo do futebol. Gosto muito do Vasco, tem uma excelente ideia de jogo, tem mesmo muito futuro. No pouco tempo que teve comigo, porque não lhe deram o tempo que precisava no Boavista, ensinou-me bastantes coisas. Estou muito agradecido por isso.

Como é que o plantel lidava, já naquela altura, com os problemas financeiros?

É complicado levantares-te da cama todos os dias para ires treinar e nunca saberes quando é que vais receber o teu ordenado. Por muito que digas que não te vais preocupar com isso, chega ao fim do mês e estão a ligar-te porque tens de pagar isto e aquilo. Foi uma fase bastante complicada da minha vida. Mas superámos com sucesso e a manutenção no último minuto tornou a história mais bonita.

Muda-se para Guimarães a seguir. Como é que acha que se recordam de si no Bessa?

Não sei como se recordam de mim, mas quando fui lá jogar não fui muito bem recebido. Sempre dei tudo pela camisola, festejaram bastantes golos meus. Claro que quis dar aquele passo na carreira, porque o V. Guimarães era e é um nível competitivo diferente, mas dei dinheiro ao clube, não saí livre. Foi um investimento do V. Guimarães. Não percebo porque fui mal recebido pelos adeptos, assim como muitas declarações do Vítor Murta na altura. Nunca bati à porta a dizer que queria jogar Liga dos Campeões e a pedir para sair, nada disso. Disseram-me que tinham a proposta e eu disse que queria. Chegaram a acordo depois. Nunca bati à porta de ninguém nem nunca forcei nada. Fiquei um bocado triste na altura, mas já passou. Sinto que foi das melhores coisas que me aconteceu na carreira.

E tem acompanhado o V. Guimarães?

Claro. Vejo os jogos.

Na época passada tiveram vários treinadores, este ano também saiu o Rui Borges no melhor momento, mas a equipa continua bem. Como é que isto é possível? É a força do grupo?

Quando vestes aquela camisola… é inexplicável. Na primeira vez que joguei no D. Afonso Henriques, a sensação de pisar o estádio, mesmo no aquecimento… A energia que a força que vem das bancadas traz para os jogadores e treinadores… tu dizes: “Estou vivo. Vivo e preparado”. É um clube feito para grandes coisas.

Fonte: CNN Portugal

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