Por: Sara Seda
Aqui em Moçambique, mais concretamente na província de Maputo, vive-se uma contradição que já virou ditado de esquina. Todos os dias, o drama se repete com a precisão de um relógio atrasado: extorsão disfarçada de “preço de transporte”. Não é tarifa oficial, não é decisão do ministério, não tem assinatura nem selo, é apenas a lei invisível do mais forte: O cobrador.
Esse, especialista em entrevistas de choque, é mais temido que entrevistador de Recursos Humanos. Não pede currículo, não oferece contrato, mas decide o teu destino, o valor da viagem e, por vezes, até o humor do teu dia com uma pergunta tão simples quanto ameaçadora:
— Vais p’ra onde?
Em segundos, ele avalia teu olhar, o estado dos teus calçados e o nível de desespero na tua testa. E, num estalar de dedos, define o preço. Se disseres que vais ao Jardim, prepara o coração: Jardim aonde? Jardim do Éden? Jardim Zoológico? Porque se não for o dos madjermanes, o preço dispara para 35 meticais, sem direito a recibo, cinto de segurança ou ar-condicionado (mas com brisa gratuita da janela partida).
As manhãs seguem um guião previsível: a fila que nunca mais acaba, os minutos que evaporam, e no fim o veredicto que dói mais que falta de troco: Ani pakheli! (Não estou a carregar…)
Para os munícipes da Matola, quando se pensa em rotas como Museu-patrice, museu liberdade, Museu-T3, o desespero tem horário marcado. Afinal, como já dizia Jeremias Nguenha, “mayi fenhisa futso”, legenda oficial deste teatro diário sem bilhete de saída.O trabalhador, que correu para não perder a chapa, descobre que também corre o risco de perder a dignidade.
Há dias em que viver no Município da Matola parece um paradoxo: ser da Matola, mas sem ter carro particular a tua vida não decola, nem de avião, nem de chapa, ficas parado numa fila que serpenteia o terminal como uma cobra cansada. Porque essa pergunta aparentemente inocente: “vais p’ra onde?”, pode decidir se chegas a tempo à entrevista de emprego ou se a vaga se evapora antes de conseguir dizer “bom dia”.
A cada manhã, o cobrador repete o seu ritual, o passageiro ensaia paciência e o bolso emagrece mais rápido do que numa dieta forçada. Chorar? é luxo: aqui até a lágrima pode ser cobrada, o resto é troco que nunca volta.