Por: Gelva Aníbal
A tradição ocupa um lugar central na sociedade, é através dela que se transmitem valores, identidades, crenças e formas de viver. Em muitos casos, é a tradição que sustenta a coesão social e oferece sentido de pertença. Por isso, quando falamos da posição da mulher dentro de certas práticas tradicionais, somos obrigados a reconhecer que nem todos os seus efeitos são positivos, e que o seu peso, por vezes, recai de forma desproporcionada sobre as mesmas.
Não é raro que, em nome da tradição, as mulheres sejam submetidas a normas sociais rígidas desde a infância. Espera-se delas comportamentos específicos, sacrifícios familiares, deveres conjugais e, muitas vezes, a renúncia a escolhas pessoais.
Em diversas culturas africanas, o casamento precoce continua a ser encarado como natural, a mulher é muitas vezes socialmente valorizada mais pelo seu papel na família do que pela sua autonomia individual. Isto limita não apenas oportunidades de educação e de trabalho, como também o pleno exercício da sua liberdade.
Além disso, práticas como a mutilação genital feminina, ainda presente em várias regiões, continuam a ser justificadas com base em argumentos culturais e comunitários. Apesar da sua rejeição crescente a nível legal e institucional, estas práticas sobrevivem muitas vezes porque se confundem com o dever de manter a identidade e os costumes do grupo.
Portanto, é importante evitar generalizações. O continente africano é vasto e diverso, e as realidades culturais variam significativamente de país para país, de região para região. Há comunidades onde a mulher tem um papel central, com funções de liderança e influência, seja no espaço doméstico, religioso ou até político. E há também inúmeras mulheres que, dentro do próprio quadro tradicional, conseguem afirmar-se com força, inteligência e criatividade, sem necessariamente rejeitar as suas raízes culturais.
O ponto não está em negar a tradição, nem em substituí-la por modelos externos, mas sim em analisá-la com sentido crítico. As tradições não são imutáveis, elas adaptam-se às necessidades do presente, e, podem e devem evoluir para garantir maior equidade, dignidade e liberdade para todos os membros da comunidade, incluindo as mulheres.
È importante reconhecer o valor profundo da herança cultural e da sabedoria transmitida ao longo de gerações e tambem identificar com honestidade as práticas que já não servem a realidade contemporânea, ou que, em certos casos, causam mais dano do que benefício.
O verdadeiro desafio pode ser, promover um diálogo interno, intergeracional e respeitador, que permita às comunidades africanas, incluindo as mulheres, definirem, por si próprias, que tradições merecem ser preservadas, e quais podem ser repensadas.