O sentido de responsabilidade no conto “Decadência” de Eduardo Quive 

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Por: Jéssica Ponte

 

As escolhas, feitas de forma racional ou sob influência de emoções, têm impacto no

crescimento ou no declínio de quem as faz. O conto “Decadência”, um dos que compõe o livro Mutiladas (2024), do escritor moçambicano Eduardo Quive, descreve como a vida do protagonista é afectada pelas suas decisões.

No conto, é apresentada a história de Vitorino, um trompetista que faz digressões por vários países africanos, mas que tem de parar de tocar, depois de ter sido acometido pela tuberculose. De volta a Moçambique, e precisando de cuidados, percebe que só existe uma pessoa, do seu passado, a quem possa recorrer.

No auge da carreira, Vitorino Vitorino chega a actuar para delegações de chefes de Estado, porém, o que Rosália Mboa canta, na sua música intitulada “Pima Nhana”, “Tudo o que voa, vem para baixo, de vez em quando (…)”, acontece com Vitorino. Quando a sua carreira despenca, ele não só vai abaixo como lá permanece.

A situação enfrentada pela personagem de Eduardo Quive sugere que nenhuma das decisões tomadas por Vitorino, aquando do seu sucesso, inclui fazer investimentos que lhe gerassem renda, ter poupança ou manter relações saudáveis com familiares e/ou amigos na sua terra natal. O protagonista acomoda-se, assumindo suas conquistas como definitivas.

Vitorino atribui a culpa da sua miséria ao destino e à má sorte. Este aspecto leva à reflexão o conceito de locus de controle, um termo da Psicologia Social da Aprendizagem que, segundo Puerto (2023), é a percepção que uma pessoa tem sobre as causas dos eventos na sua vida.

O controle pode ser interno, quando o indivíduo atribui as causas ao seu comportamento, ou externo, quando atribui as causas a factores que não dependem de si.

Os pensamentos do personagem, como “(…) é lixado o destino” e “azar demais”, evidenciam que o seu locus de controle é externo, o que contribui para que ele se mantenha na inércia e não considere buscar mudanças, já que se vê como um interveniente passivo da sua própria vida.

O cenário descrito no conto não é diferente do de histórias reais que já foram tornadas públicas no nosso país. Jovens que alcançam o sucesso e perdem-se nas excentricidades, esquecendo-se de usar as oportunidades que têm para construir bases sólidas e um património sustentável. Quando, por alguma razão, “vêm para baixo”, tal como Vitorino, o seu comportamento é de vitimização. Culpam o destino, o azar e até as pessoas ao seu redor, menos a si próprios, transferindo a outrem a responsabilidade pela sua pobreza financeira e/ou mental.

O personagem do conto “Decadência” refere, num dos diálogos ao longo da narrativa, que tinha “o mundo a seus pés”, uma expressão que sugere “ter poder”, o implica controlo. A ocorrência pode levar à interpretação de que, em situações positivas, pode-se ter a tendência a assumir o locus de controle interno, atribuindo o protagonismo ao esforço individual, o que já não acontece com facilidade nas situações negativas.

Independentemente do tipo de crença predominante em cada um, um conselho válido a ser seguido é o que é dado por Rosália Mboa, ainda na música mencionada, anteriormente: “Pima nhana hiku gwira nhana, a mundzuku wa wena uta hi lava” (modera na forma com que te achas superior, porque amanhã podes precisar de nós). Afinal, quer se esteja em ascensão ou em decadência, os seres humanos precisam uns dos outros.

Com a história do trompetista, portanto, Eduardo Quive suscita uma reflexão sobre a importância de se fazer escolhas conscientes para que se evite sucumbir ao remorso.

 

*Texto resultado das actividades na oficina de escrita sobre crítica de arte, na Fundação Fernando Leite Couto.

Fonte: O País

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