27.1 C
New York
Monday, November 24, 2025
InícioCulturaLiteraturaO Silencio que Habita a Casa dos Matavele

O Silencio que Habita a Casa dos Matavele

Por: Alfredo Júnior

Na casa dos Matavele, em Chamanculo, vive um silêncio que ninguém escolheu, mas que se instalou com a calma de quem sabe que ninguém o vai mandar embora. Entra sem bater, senta-se no sofá, acompanha os jantares e dorme no corredor como se pagasse renda. Ninguém o convida, mas ele está sempre lá, atento, paciente e, às vezes, até um pouco arrogante.

O senhor Matavele chega sempre às 19:40, religiosamente, com o mesmo ritual: pousa a marmita vazia, suspira como se tivesse carregado Maputo inteiro nas costas e depois mergulha no telemóvel. Podia perguntar pelos filhos, podia comentar o dia, podia até elogiar a comida, mas não. Prefere ver vídeos de homens a construir casas com as mãos no Facebook. Um silêncio educado senta-se ao lado dele.

A dona Aida, a mãe, cozinha enquanto fala sozinha. Não por loucura, mas porque ninguém responde.

— Metem roupas no cesto, não metem! E essa luz acesa, quem deixou?

As paredes ouvem, o tacho ouve e até o gato confirma com um miado.

Os filhos continuam calados no seu mundo.

O filho mais velho, Gerson, tranca-se no quarto a estudar. E estuda, sim, mas os últimos cinco capítulos do TikTok. Ri sozinho, finge que está ocupado e só aparece na sala quando o cheiro do estrogido invade o corredor.

A irmã, a pequena Sónia, faz desenhos na sala, mas ninguém repara porque todos estão ocupados a conviver com os seus telemóveis como se fossem membros honorários da família.

E assim se passa a semana inteira, com a casa cheia de vida mas vazia de conversas.

Até que, numa quarta-feira, acontece o inesperado: a luz vai-se embora às 20:15.

Ali, naquela escuridão, o silêncio fica nervoso. A família, sem internet, sem televisão e sem distrações, vê-se finalmente obrigada a olhar uns para os outros.

— Pai, como foi o trabalho hoje? — pergunta a Sónia.

O senhor Matavele, apanhado de surpresa, até engasga.

— Ah… foi… foi normal.

A resposta sai torta, enferrujada, como se fosse a primeira palavra do ano.

A dona Aida senta-se perto deles e solta um riso.

— Vocês sabem que moramos na mesma casa, não é?

Gerson tira o fone do ouvido, espantado com o facto de a família ainda existir em três dimensões.

A conversa começa tímida, meio desajeitada, mas lá vai andando. Falam da escola, do chefe chato, da vizinha que vende bolinhos queimados mas que todos compram.

E, pela primeira vez em muito tempo, a casa enche-se de som. De vida.

A luz volta às 21:03, com a arrogância habitual. O silêncio tenta regressar, mas, dessa vez, a família está ocupada demais a rir de histórias antigas.

E assim, na casa dos Matavele, descobriu-se que às vezes basta um apagão para iluminar aquilo que realmente importa: gente que se fala, se escuta e se encontra no meio do caos do dia a dia.

O silêncio ainda aparece de vez em quando, claro.

Mas agora é recebido com chá, humor e conversas que já não têm medo da luz.

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor, digite seu nome aqui
Por favor digite seu comentário!

- Advertisment -spot_img

Últimas Postagens

Não houve palhaçadas e Mister Lalas coloca Maxaquene de regresso ao...

0
Volvidos seis anos longe da principal prova futebolística do país, os adeptos do Maxaquene inundaram as bancadas do Campo do Costa do Sol para...
- Advertisment -spot_img