Líderes de países em desenvolvimento, mais vulneráveis às alterações climáticas, acusaram as nações ricas de não cumprirem as promessas de financiamento climático, numa sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, sublinhando que as consequências recaem sobre sociedades que menos contribuíram para a crise.
A Presidente das Ilhas Marshall, Hilda Heine, foi incisiva ao afirmar que “já passou da hora de o mundo rico cumprir as suas obrigações e canalizar o dinheiro para onde é mais necessário”. Heine criticou a distância entre promessas e realidade, lembrando que “promessas não recuperam terra em nações atoladas como a minha”, ameaçadas pelo avanço do mar.
Desde 2009, as nações ricas comprometeram-se a disponibilizar 100 mil milhões de dólares anuais para apoiar os países em desenvolvimento a enfrentar as alterações climáticas. Esse montante só foi atingido em 2022, com dois anos de atraso. No ano passado, na cimeira climática da ONU, foi acordada uma nova meta: 300 mil milhões anuais até 2035. Porém, muitos países em desenvolvimento consideraram-na largamente insuficiente, dado que estimativas independentes apontam para a necessidade de 1 bilião de dólares anuais até ao fim da década.
O Presidente das Fiji, Sitiveni Rabuka, foi peremptório: “Quem carrega a culpa deve arcar com a factura”. O argumento central é que as maiores potências industriais, responsáveis históricas pelas emissões desde a Revolução Industrial, devem assumir maior responsabilidade financeira.
O impacto social já é visível. O Presidente do Gana, John Mahama, ligou directamente as alterações climáticas ao fenómeno migratório, contrapondo o endurecimento das políticas anti-imigração nos países do norte. “Muitos desses migrantes são refugiados climáticos”, afirmou, acrescentando que “quando o deserto avança e as nossas aldeias se tornam inabitáveis, somos forçados a fugir”.
Por sua vez, o Presidente da Somália, Hassan Sheikh Mohamud, destacou que as mudanças climáticas estão a obrigar os governos de países pobres a fazer “escolhas financeiras impossíveis” entre responder a emergências e investir em resiliência e desenvolvimento. Estima-se que cerca de 10% dos orçamentos nacionais dos países em desenvolvimento sejam hoje canalizados para enfrentar os impactos climáticos, como secas, cheias e subida do mar, ameaçando anular ganhos em matéria de paz e desenvolvimento.
O debate foi marcado também pela posição da Alemanha, que anunciou ter atingido a sua meta de financiamento climático, disponibilizando 11,8 mil milhões de euros em 2024, dos quais 6 mil milhões provenientes de fundos públicos.
Enquanto isso, o posicionamento dos Estados Unidos foi alvo de críticas acrescidas. No segundo mandato de Donald Trump, Washington voltou a abandonar o Acordo de Paris, suspendendo a maior parte dos compromissos financeiros. Numa intervenção polémica, Trump chegou a classificar as alterações climáticas como “a maior fraude do mundo”, em contraste com o governo de Joe Biden, que havia disponibilizado cerca de 11 mil milhões de dólares anuais.
O pano de fundo das acusações não poderia ser mais alarmante: 2024 foi o ano mais quente de que há registo, com temperaturas globais a ultrapassarem pela primeira vez os 1,5 °C acima da era pré-industrial, aproximando o planeta da ruptura dos limites definidos no Acordo de Paris.
Fonte: O Económico