Resumo
O relatório "The State of the World’s Children 2025" destaca a crise global causada pela dívida, clima e conflitos, com impactos económicos de longo prazo. Enquanto os gastos militares atingem 2,72 biliões de dólares anuais, centenas de milhões de crianças sofrem com a falta de acesso a alimentação, educação, água potável e cuidados de saúde. A UNICEF alerta que a pobreza infantil não só é uma crise social, mas também uma ameaça ao crescimento económico futuro, devido à redução da produtividade e ao aprofundamento das desigualdades. Crianças em situação de privação enfrentam desafios de saúde, educação e emprego na idade adulta, o que resulta em menor capacidade de inovação e competitividade económica. A organização destaca a importância de investir na infância para garantir um futuro coletivo próspero.
<
p style="margin-top: 0in;text-align: justify;background-image: initial;background-position: initial;background-size: initial;background-repeat: initial;background-attachment: initial">Relatório “The State Of The World’s Children 2025” Coloca Dívida, Clima E Conflito No Centro De Uma Crise Com Custos Económicos De Longo Prazo
Num mundo em que a despesa militar atinge 2,72 biliões de dólares anuais, centenas de milhões de crianças continuam sem acesso a alimentação adequada, escola, água potável ou cuidados de saúde básicos. Para a UNICEF, esta não é apenas uma crise social, mas uma ameaça directa ao crescimento económico futuro: ao destruir capital humano desde a infância, a pobreza infantil reduz produtividade, aprofunda desigualdades e fragiliza a estabilidade macroeconómica nas próximas décadas.
Uma Crise Que Começa Na Infância E Prolonga-Se Na Economia
O relatório “The State of the World’s Children 2025 – Ending Child Poverty: Our Shared Imperative” sublinha que “a pobreza envenena a infância – e o nosso futuro colectivo”. A organização recorda que crianças que crescem em privação têm pior saúde, menos anos de escolaridade, qualificações mais baixas e maior probabilidade de enfrentar desemprego, subemprego ou empregos informais e mal remunerados na idade adulta.
Do ponto de vista económico, isto traduz-se numa quebra estruturada de produtividade ao longo do ciclo de vida laboral. Menos anos de educação e pior qualidade de ensino significam trabalhadores com menor capacidade de absorver tecnologia, inovar ou gerir empresas de forma eficiente. Sistemas produtivos com uma grande proporção de adultos que cresceram em pobreza tendem a concentrar-se em actividades de baixo valor acrescentado, com fraca sofisticação tecnológica e reduzida competitividade internacional.
A UNICEF chama a atenção para o efeito cumulativo: a combinação de baixa produtividade, emprego informal e fraco rendimento fiscal limita a capacidade dos Estados para investir em infra-estruturas, inovação e políticas sociais, reproduzindo, de forma quase automática, o ciclo de pobreza entre gerações.
Pobreza Extrema E Privação Múltipla: O Mapa Dos Números
Quase um em cada cinco menores no mundo – mais de 412 milhões de crianças – vive em pobreza monetária extrema, com menos de 3 dólares por dia. As crianças são mais do dobro dos adultos em risco de pobreza extrema, reflexo dos custos acrescidos que recaem sobre famílias com filhos.
A pobreza, porém, não é apenas uma questão de rendimento. Em mais de 400 milhões de casos, as crianças estão simultaneamente privadas de, pelo menos, duas dimensões essenciais: educação, saúde, habitação, nutrição, saneamento ou água limpa. A África Subsahariana concentra mais de três quartos de todas as crianças em pobreza extrema, apesar de albergar menos de um quarto da população infantil mundial; juntamente com o Sul da Ásia, estas duas regiões concentram quase nove em cada dez crianças pobres do planeta.
A UNICEF lembra que, desde o ano 2000, houve progressos importantes: a proporção de menores a viver em privações severas caiu de três em cada cinco para dois em cada cinco em países de baixo e médio rendimento. Ainda assim, o avanço estagnou em várias regiões desde meados da década de 2010, e a pandemia de COVID-19 interrompeu, ou mesmo reverteu, parte dos ganhos alcançados.
Em termos económicos, isto significa que uma fatia substancial da futura força de trabalho mundial continua a crescer sem acesso às condições mínimas para desenvolver plenamente o seu potencial. Cada criança que abandona a escola, que sofre de desnutrição crónica ou que vive em habitações precárias representa, na prática, anos de rendimento perdido, menor capacidade de poupança e uma menor contribuição fiscal futura.
Dívida, Clima E Conflito: O Triplo Choque Que Estrangula Os Orçamentos Públicos
A análise da UNICEF demonstra que muitos países em desenvolvimento estão presos num círculo vicioso: a necessidade de servir uma dívida crescente reduz o espaço orçamental para investir em crianças; essa falta de investimento enfraquece o crescimento futuro, tornando ainda mais difícil pagar a dívida.
Hoje, 45 países em desenvolvimento gastam mais em juros do que em saúde, e 22 despendem mais em juros do que em educação. Em várias economias africanas, a despesa per capita em juros (cerca de 70 dólares) já supera a afectação média por pessoa em saúde (44 dólares) e educação (63 dólares).
Ao mesmo tempo, as crises climáticas e os conflitos estão a transformar-se em choques económicos permanentes. Quatro em cada cinco crianças enfrentam, todos os anos, pelo menos um risco climático extremo – como cheias, secas ou ondas de calor – e cerca de 242 milhões sofreram interrupções escolares ligadas a choques climáticos em 2024, com perdas significativas de aprendizagem. Até 2030, estima-se que as alterações climáticas possam empurrar entre 32 e 132 milhões de pessoas adicionais para a pobreza extrema.
Nos contextos de conflito, o quadro é ainda mais dramático: em 2024, 19% das crianças viviam em áreas afectadas por guerra ou violência armada, praticamente o dobro de meados dos anos 1990. Entre 2014 e 2024, a taxa de pobreza monetária extrema em Estados frágeis e em conflito aumentou para 50,2%, enquanto no resto do mundo recuou para 11,4%.
Este “endividamento de conflito” traduz-se em infra-estruturas destruídas, sistemas educativos colapsados e perda massiva de capital físico e humano, com impactos que se prolongam por décadas na trajectória de crescimento de cada país.
Cinco Pilares De Política Para Quebrar O Círculo Vicioso
O relatório identifica cinco áreas de política pública com impacto comprovado na redução da pobreza infantil: tornar o combate à pobreza infantil uma prioridade nacional; criar espaço orçamental e políticas macroeconómicas amigas da infância; expandir a protecção social; garantir serviços públicos de qualidade; e promover trabalho digno para pais e cuidadores.
Do ponto de vista económico, estas medidas funcionam como investimento em capital humano e estabilização macroeconómica. Programas de transferências monetárias bem desenhados – como os esquemas de rendimento mínimo no Brasil, México ou África do Sul, ou o benefício universal por criança na Polónia – mostram que o apoio directo às famílias reduz a pobreza, melhora a nutrição, aumenta a frequência escolar e reduz a necessidade de trabalho infantil, com efeitos positivos no crescimento de médio prazo.
A UNICEF sublinha ainda que cerca de 1,8 mil milhões de crianças continuam sem qualquer forma de cobertura de protecção social, o que representa não apenas uma falha ética, mas uma enorme oportunidade perdida de criação de valor económico futuro.
Por outro lado, reformas fiscais e maior transparência orçamental tendem a aumentar o investimento em saúde, educação e bem-estar infantil. Países que institucionalizam “orçamentos amigos das crianças” e protegem legalmente as despesas sociais face a choques inflacionistas criam trajectórias mais sustentadas de crescimento inclusivo, com sociedades menos desiguais e mercados internos mais robustos.
Custos De Nada Fazer: Da Coesão Social À Produtividade
O relatório da UNICEF insiste que a pobreza infantil não é inevitável nem resultado de escassez absoluta de recursos, mas de prioridades políticas. Num contexto em que a despesa militar mundial atinge máximos históricos, manter centenas de milhões de crianças na pobreza significa aceitar, de forma consciente, uma redução futura do potencial produtivo global.
As consequências vão além das folhas de cálculo económicas. Ao aprofundar a clivagem entre “incluídos” e “excluídos”, a pobreza infantil fragiliza a coesão social, alimenta frustrações e pode criar terreno fértil para violência, extremismo e instabilidade política – factores que, por sua vez, afastam investimento privado, encarecem o financiamento soberano e perturbam cadeias de valor.
Para a UNICEF, a pergunta central já não é se o mundo dispõe de recursos e conhecimento para acabar com a pobreza infantil, mas se existe vontade política para colocar as crianças no centro das decisões económicas. A mensagem é clara: investir hoje nas crianças mais pobres é uma das escolhas económicas mais racionais para qualquer país que pretenda um crescimento sustentável, inclusivo e resiliente nas próximas décadas.
Fonte: O Económico






