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Tuesday, December 2, 2025
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 Quando o Telemóvel Sabe Mais Português do que Nós

Há um novo professor de português na cidade. Não dá aulas, não corrige testes, mas está em todo o lado: no bolso, na cama e, às vezes, até na casa de banho. Chama-se telemóvel. E, infelizmente, já sabe mais português do que nós.

Hoje, escrever é uma aventura. Começas uma frase, e antes de chegares ao ponto final, o telemóvel já te está a julgar. Ele sabe que “fikei” não existe, que “vou ir” é um crime linguístico e que “ta” devia ter um “está” à frente. E o pior é que ele corrige com ar de superioridade digital.

“Eu quis escrever assim!”
“Não, não quis”, responde o corretor, passivo-agressivo.

E lá estamos nós, o corretor tornou-se o novo colonizador: entra no texto, impõe regras, muda o que quer, e ainda agradecemos.

O drama….! é quando ele falha, e ninguém sabe o que fazer. Entramos em  pânico. “Será que pára tem acento? Será que assento é o que eu faço ou onde eu sento?” E o mais triste: já não confiamos em nós. Confiamos no teclado. A língua virou refém do algoritmo.

Nas redes sociais, o espetáculo é diário.

“Mais eu já falei pra ti!”
“Mas ou mais?”
“Mas eu já falei que é mais!”
E pronto, três erros e uma discussão depois, a língua portuguesa desiste e vai tomar um chá.

As pessoas já não leêm, apenas partilham. E quando leêm, é para confirmar o que já pensavam, mesmo que esteja errado. A palavra “verídica” soa a doença. “Irmão, essa notícia é verídica.” “É o quê?!” “De verdade, mano.”  “Ahhh, diz logo!”

A ortografia tornou-se uma questão de autoestima. Quem escreve bem é acusado de arrogância. Escrever certo virou provocação, é quase poético, se poesia rimasse com desespero. E, claro, há o corretor, o nosso pequeno ditador digital. Um dia ele vai começar a corrigir a nossa fala: “Agente vai ao mercado”, a gente… e não “agente”. Parece que estamos a enviar espiões ao bairro.

 

No fundo, estamos a criar uma geração que escreve com medo. Medo de errar, medo de pensar, medo de escrever sem ajuda. E, ironicamente, quanto mais o telemóvel sabe português, menos nós sabemos pensar em português. Enquanto isso, seguimos entre “mais”, “mas”, “mim” e “me”, sem nunca saber se estamos a escrever certo…, mas com visualizações garantidas. Porque no mundo digital moçambicano, o riso vale mais do que a regra ortográfica.

Mas tudo bem, ele escreve por nós, corrige por nós. Até lá, continuamos felizes, de polegar erguido, a digitar “ta xerto?” e a espera que o corretor responda: “Não, mas vai.”

 

 

 

 

 

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