“Por volta dos 30 quilómetros ficou só a Lisa Martin, eu e a Katrin Dorre. Aos 37 quilómetros havia uma ligeira descida e foi aí, com as instruções do meu treinador, que eu comecei a andar mais rápido e consegui descolar um bocado.”
Rosa Mota recordou dessa maneira ao canal oficial dos Jogos Olímpicos os momentos-chave da sua vitória olímpica em 1988. Já era um nome conhecido dos portugueses à chegada à Coreia do Sul, mas a vitória na maratona naquela manhã quente em Seul colocou-a num patamar que apenas outra meia dúzia conseguiu alcançar na história de Portugal.
Falar de Rosa Mota é falar de trabalho, humildade e, talvez mais importante para quem vê de fora, de sucesso. Desde cedo que a atleta, franzina de 1,57 metros, se dedicou à corrida, passando pelo FC Porto e pelo Centro de Atletismo do Porto.
1980 foi vital para a sua carreira. Foi diagnosticada com asma de esforço, uma doença que atiraria uma pessoa banal para fora do desporto. Não foi o caso de Rosa Mota. Nesse mesmo ano conhece José Pedrosa, que veio a ser o seu médico, treinador e companheiro de sempre. Foi Pedrosa que a convenceu a apostar numa carreira no atletismo e, mais concretamente, na maratona. Foi um tiro certeiro.
A maratona feminina estava a dar as primeiras passadas no início dos anos 80. Os Europeus de Atletismo de 1982, em Atenas, iriam marcar a estreia da prova em competições internacionais. Rosa Mota dominou a prova, ganhando isolada com cerca de meio minuto para a segunda classificada.
Não era descabido pensar em mais e, com os Jogos Olímpicos de Los Angeles à espreita, fazia sentido continuar o trabalho. Após um quarto lugar nos Mundiais de Helsínquia de 1983 – a sua pior classificação entre todas as maratonas que terminou – era uma das favoritas para a primeira maratona olímpica feminina alguma vez disputada. Joan Benoit acabou por não dar hipótese às rivais e levou o ouro, mas Rosa Mota não ficou alheada da história e ficou em terceiro lugar. Foi a primeira mulher portuguesa a ganhar uma medalha olímpica, feito que acabou por ficar um pouco à sombra do sucesso de Carlos Lopes, o primeiro campeão olímpico da história do país, na vertente masculina da mesma prova.
Mal terminou a maratona de Los Angeles, Rosa Mota já estava a pensar em Seul. O percurso até lá foi quase imaculado. Entre 1985 e os Jogos Olímpicos de 1988, a atleta perdeu apenas uma das seis maratonas que disputou. Revalidou o título europeu, conquistou o título mundial em 1987, em Roma, e venceu as Maratonas de Tóquio e Boston, esta última por duas vezes. Era a melhor do mundo e a Coreia do Sul deveria marcar a sua consagração.
A oposição era feroz. Grete Waitz, Katrin Dorre e Laura Fogli estavam à partida. Rosa Mota esteve na frente do pelotão durante toda a corrida. As adversárias iam descolando. Passaram a ser 30, depois 20, depois 10, depois quatro e depois três. Era Rosa Mota, Lisa Martin e Dorre. A portuguesa tinha um plano, delineado com Pedrosa, para forçar o ritmo a cerca de cinco quilómetros do final. O calor da capital sul-coreana, bem como o percurso pouco acidentado, favoreciam-na, como a própria reconheceu. A estratégia surtiu efeito e Rosa Mota descolou da australiana e da alemã naquela pequena descida.
“À entrada do estádio olho para trás. Vinha isolada e achei que já estava perto da vitória”, recorda a atleta, que cruzou a meta com o sorriso que lhe é característico. “É um momento de felicidade, de alegria, que fica para sempre na minha memória, no meu coração. É uma coisa que nunca se esquece, um trabalho que valeu a pena.”
Já não havia mais nada para ganhar. Era campeã europeia, mundial e olímpica ao mesmo tempo, feito que até agora mais ninguém conseguiu repetir na história da maratona feminina. O terceiro título europeu, conquistado em Split, em 1990, foi a última grande vitória internacional. Os números não mentem: Rosa Mota disputou 21 maratonas na carreira e ganhou 14, um registo quase sem par no atletismo.
Mas Rosa Mota, apesar de retirada das grandes competições, não deixou de correr. Ainda recentemente, no final do ano passado, bateu o recorde mundial da categoria 65-69 anos na corrida de São Silvestre, em Lisboa. Fez um tempo de 35:37 minutos, oito segundos menos que o recorde que a própria tinha estabelecido em Valência, em janeiro de 2024.
Em fevereiro do ano passado, bateu outro recorde, desta vez o da meia-maratona, na mesma faixa etária, em Barcelona, batendo o seu próprio registo estabelecido e outubro de 2023 (1:25.52 horas) por mais de um minuto (1:24.27 horas).
Não foi só no desporto que a atleta marcou a sociedade. Rosa Mota acompanha as caravanas do PS no Porto e Vila Nova de Gaia desde pelo menos 1986, segundo a RTP. Chegou mesmo a ser eleita deputada pelos socialistas em 1995, mas não repetiu a experiência: nas legislativas seguintes, por vontade própria, integrou a lista do círculo eleitoral do Porto apenas no 37.º lugar, o último, inelegível.
Rosa Mota dá nome a um pavilhão na cidade do Porto, motivo de polémica após a sua reabertura, em 2019, sob a designação “Super Bock Arena”, mas também a um avião da TAP e a uma embarcação da GNR. Foi também condecorada pelos sucessivos presidentes da República e recebeu o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade do Porto, em 2018.
O movimento olímpico também não se esqueceu dela. Rosa Mota transportou a chama olímpica em três ocasiões: pelas ruas de Atenas, em 2004; em Paris, no ano passado; e em Maratona, no percurso que antecedeu os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016.
SAIBA MAIS
Rosa Mota internada nos cuidados intensivos – passou entretanto para os intermédios
Fonte: CNN Portugal