Destaques
Indicadores de 2024 ultrapassam os limites prudenciais de referência, revelando riscos crescentes para a solvência externa e exigindo medidas correctivas para preservar a estabilidade fiscal.
Apesar de uma ligeira melhoria nos rácios de solvência da dívida externa, Moçambique ultrapassou, em 2024, dois dos principais limites de sustentabilidade fiscal definidos internacionalmente. O serviço da dívida aumentou substancialmente em proporção das receitas e exportações, elevando o esforço financeiro do Estado e colocando pressão adicional sobre a gestão orçamental e cambial.
Sinais mistos: melhoria da solvência, agravamento da liquidez
De acordo com o Relatório Anual da Dívida Pública – 2024, os rácios de solvência da dívida externa registaram uma evolução favorável, com o valor presente da dívida (VPD) a representar 33,1% do PIB e 88,7% das exportações, contra 35,5% e 90,9% em 2023, respectivamente. O documento reconhece essa tendência como positiva, mas adverte: “os resultados dos indicadores […] estiveram acima do recomendado”.
Já os rácios de liquidez agravaram-se substancialmente. O serviço da dívida como percentagem das exportações (SD/EXP) subiu de 8% para 10,4%, um aumento de 30%, enquanto o rácio sobre receitas públicas (SD/REC) passou de 12,6% para 15,8%, ultrapassando ambos os limites de 10% e 14%, respectivamente .
Projecções até 2029: pressão crescente sobre a tesouraria
As estimativas para o período 2025–2029 são particularmente desafiantes. O serviço da dívida externa deverá atingir o pico em 2028, com um encargo total de 917,7 milhões de dólares (59.229,6 milhões de meticais), sendo que “a estrutura evidencia o reembolso acentuado do capital sobre os encargos da dívida”. Em 2025, o Estado terá de desembolsar 729,2 milhões de dólares, dos quais 76% se referem à amortização de capital.
O relatório destaca a elevada concentração dos pagamentos em meses específicos: “Janeiro, Março, Julho e Setembro concentram mais de metade do total anual projectado”, com Setembro a representar sozinho 15%.
Pressões estruturais e riscos de curto prazo
Este esforço de financiamento ocorre num contexto de limitações estruturais, agravadas por atrasos no pagamento de encargos externos. Em 2024, Moçambique acumulou 3,4 mil milhões de meticais em dívida externa em atraso, “dos quais 2,95 mil milhões correspondem a capital e 492 milhões a juros”, em resultado de “limitações na arrecadação de receitas […] e distorções nas projecções orçamentais”.
Os atrasos com Portugal, FMI e BID assumem particular destaque, com Portugal a representar o maior credor bilateral em situação de mora.
Financiamento sustentável: desafios e alternativas
O relatório é claro ao afirmar que o país continua “classificado como de alto endividamento” e, por isso, “mantém a medida de financiamento de programas e projectos públicos através de donativos e de créditos altamente concessionais, com restrição na contratação de créditos comerciais” .
Neste contexto, são reiteradas as recomendações para reforçar as receitas fiscais, estimular as exportações e recorrer a mecanismos como as Parcerias Público-Privadas (PPP) para projectos estruturantes. O documento enfatiza: “o crescimento do serviço da dívida compromete a sustentabilidade fiscal, exigindo a adopção de medidas de consolidação” (p. 23).
Sustentabilidade em risco, decisões adiadas custam mais
Embora o perfil da dívida pública externa mostre algum esforço de consolidação, os sinais de alerta são inegáveis. A ultrapassagem dos limites prudenciais em dois indicadores críticos – SD/EXP e SD/REC – acende luzes vermelhas sobre a capacidade do Estado em manter a sustentabilidade da dívida sem comprometer a prestação de serviços públicos essenciais.
A médio prazo, as projecções indicam uma trajectória de elevação dos encargos que exigirá decisões corajosas e estratégicas para reforçar a capacidade de pagamento do Estado, com recurso disciplinado ao financiamento concessional, diversificação das fontes de receita e maior rigor na selecção de projectos financiados por dívida.
Fonte: O Económico