Por: Gelva Aníbal
Em Moçambique, o acesso à saúde é marcado por uma convivência complexa entre a medicina tradicional e a medicina moderna. Em muitas comunidades, especialmente nas zonas rurais, os curandeiros continuam a ser a primeira, e, por vezes, a única opção de tratamento disponível.
Mais do que terapeutas, esses praticantes tradicionais desempenham múltiplos papéis: são conselheiros espirituais, psicólogos informais e líderes comunitários. Utilizam plantas medicinais, banhos, rezas e rituais profundamente enraizados na cultura local. Seus conhecimentos, transmitidos oralmente de geração em geração, tornam-se uma alternativa acessível, familiar e, muitas vezes, mais barata para a população.
Por outro lado, a medicina moderna oferece diagnósticos baseados em evidências científicas, exames clínicos, medicamentos certificados e profissionais de saúde qualificados. Nos centros urbanos, essa é a abordagem predominante, com hospitais e clínicas que prestam cuidados essenciais e salvam vidas diariamente. No entanto, o sistema enfrenta desafios persistentes: longas filas, escassez de medicamentos, falta de médicos e desigualdade no acesso aos serviços.
Durante décadas, a medicina tradicional foi marginalizada pelas instituições, frequentemente considerada “inferior” ou “não científica”. Contudo, esse cenário tem mudado. Iniciativas recentes buscam valorizar e regulamentar os praticantes tradicionais, reconhecendo seu papel no sistema de saúde. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconheceu a importância dessas práticas, desde que sejam seguras e eficazes.
Em Moçambique, o Ministério da Saúde tem dado passos concretos nesse sentido, integrando curandeiros em campanhas de saúde pública, especialmente no combate ao HIV/SIDA e à tuberculose. A colaboração visa aproveitar a confiança que esses profissionais têm nas comunidades para ampliar o alcance das ações de prevenção e tratamento.
Na prática, muitos moçambicanos recorrem aos dois sistemas. Consultam o hospital e, em seguida, visitam o curandeiro, ou fazem o caminho inverso. Para alguns, a cura envolve fé, espiritualidade e rituais. Para outros, ela está nos exames laboratoriais e nas prescrições médicas.
A coexistência entre tradição e ciência não precisa ser conflituosa. Cada abordagem tem seu valor e sua área de atuação. O mais importante é garantir que os pacientes tenham acesso a cuidados eficazes, seguros e culturalmente sensíveis.
Afinal, o verdadeiro caminho para a cura é aquele que salva vidas e respeita identidades. Mas fica a pergunta: essas duas realidades são realmente opostas? Ou há espaço para diálogo e colaboração entre ambas?