Questões-Chave:
Economias sem litoral enfrentam custos de transporte 50% superiores à média global e longos tempos de espera nas cadeias logísticas;
África tem 16 países sem acesso ao mar, o que agrava os desafios de conectividade e integração no comércio internacional;
UNCTAD propõe uma abordagem assente em três eixos: integração regional, digitalização e modernização aduaneira;
Projectos como o ASYCUDA e corredores como o AfCFTA e o Middle Corridor provam que reformas podem gerar ganhos concretos;
Relatório apela a maior coerência no financiamento do desenvolvimento e à reforma da arquitectura financeira internacional.
Para os 32 países em desenvolvimento sem acesso ao mar, a geografia tem sido historicamente um factor limitativo. No entanto, a UNCTAD defende que, com as políticas certas, esta condição pode ser transformada num catalisador de crescimento, integração regional e desenvolvimento sustentável. A proposta está expressa no mais recente relatório apresentado em Awaza, Turcomenistão, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Países Sem Litoral.
O desafio de ser um país sem acesso ao mar em 2025 continua actual e estrutural. Os dados são claros: os custos de transporte nestas economias são 50% mais elevados do que a média global e os tempos de espera para importação duplicam em relação aos países costeiros. Embora alberguem mais de 570 milhões de pessoas, representam apenas 1,2% do comércio mundial — uma cifra estagnada há mais de uma década.
Contudo, a mensagem central do relatório da UNCTAD é de mobilização e possibilidade: “A geografia não precisa de ditar o destino económico”, afirmou Rebeca Grynspan, Secretária-Geral da organização. A chave, segundo a UNCTAD, está em transformar constrangimentos em motores de crescimento — por meio de três pilares estratégicos: integração regional, digitalização e facilitação do comércio.
Integração Regional: De corredores a escala económica
O relatório evidencia que a integração regional está a produzir resultados tangíveis. No Corredor do Norte da África Oriental, por exemplo, o tempo de travessia na fronteira entre o Quénia e o Uganda (Malaba) foi reduzido de três dias para apenas três horas. Já o Middle Corridor, que liga a China à Europa via Ásia Central, diminuiu em mais de metade o tempo de transporte.
Na África subsaariana, a Zona de Comércio Livre Continental Africana (AfCFTA) está a alterar gradualmente o perfil comercial. Enquanto 80% das exportações africanas para fora do continente ainda são matérias-primas, 61% do comércio intra-africano já envolve produtos transformados — um dado especialmente relevante para os países sem litoral, que dependem da integração regional para reduzir vulnerabilidades e impulsionar a industrialização.
Transformação Digital: Ultrapassar fronteiras com bytes
A digitalização surge como um dos mais poderosos equalizadores no comércio global. Serviços digitais não ficam retidos nas fronteiras, o que oferece uma nova via de escape às limitações físicas. Ainda que os países sem litoral representem apenas 0,3% das exportações digitais globais, o sector cresce rapidamente, com a penetração da internet a mais do que duplicar desde 2014 e o acesso à banda larga móvel a atingir 86% da população.
Para a UNCTAD, a criação de infra-estruturas, marcos regulatórios e competências digitais é condição sine qua non para a competitividade. “Se podes conectar, podes competir”, sintetizou Grynspan. A organização tem apoiado os países nesta agenda, oferecendo instrumentos de apoio técnico e capacitação digital.
Facilitação do Comércio: Reforma aduaneira com impacto real
A modernização dos sistemas aduaneiros é outro eixo com resultados comprovados. O programa ASYCUDA, desenvolvido pela UNCTAD e actualmente utilizado por dois terços dos países sem litoral, digitalizou procedimentos alfandegários, reduziu em até 90% os tempos de desalfandegamento e aumentou significativamente as receitas públicas.
O exemplo do Malawi é paradigmático: aumento de 42% nas receitas alfandegárias e mais de 600 trabalhadores logísticos capacitados, 40% dos quais mulheres. O recente acordo assinado com o Governo do Turcomenistão para a terceira fase do ASYCUDA prevê US$ 1,5 milhões para fortalecer a digitalização aduaneira, aplicar inteligência artificial e melhorar o intercâmbio de dados fronteiriços.
A implementação como verdadeiro teste
O Programa de Acção de Awaza, resultado da conferência da ONU, define um roteiro comum. Contudo, a sua eficácia será medida pelos resultados concretos: fronteiras mais ágeis, aumento do valor acrescentado nas exportações e mais empreendedores digitais.
A UNCTAD reafirma, também, a necessidade de condições financeiras mais justas para os países sem litoral. Na Conferência de Financiamento para o Desenvolvimento, realizada em Sevilha, defendeu a urgência de reformar a arquitectura financeira global, reforçando o papel dos bancos multilaterais e promovendo maior coerência entre sistemas de dívida, comércio e investimento.
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p dir=”ltr”>“O desenvolvimento não pode ser financiado em silos. Requer coerência entre sistemas e credibilidade nas regras que os regem”, concluiu Rebeca Grynspan.
Fonte: O Económico