Por: Alfredo Júnior
O Governo de Moçambique admitiu recentemente ter utilizado 33,6 milhões de dólares provenientes das receitas do gás natural, dinheiro que deveria ser canalizado para o Fundo Soberano do Estado. Segundo a ministra das Finanças, Carla Louveira, o montante foi aplicado diretamente nos Planos Económicos e Sociais entre 2022 e 2024. A confissão parece técnica, mas esconde uma falha profunda: o país continua a tratar o dinheiro público como um recurso sem dono.
O relatório do Tribunal Administrativo, referente à Conta Geral do Estado de 2023, mostra que, enquanto o PESOE registava receitas de 94,2 milhões de dólares, apenas 60,59 milhões foram efetivamente depositados na Conta Transitória do Banco de Moçambique. A diferença, de 33,6 milhões, permanece sem explicação convincente. O Governo afirma que os fundos foram usados em “projetos de interesse nacional”, mas não há documentos públicos que confirmem quais, nem quem autorizou essa movimentação.
O Fundo Soberano foi criado para proteger o futuro. A ideia era simples: transformar os lucros do gás em poupança, investimento e estabilidade. Mas o que se anuncia como símbolo de responsabilidade nasce já marcado pela desconfiança. Quando o Estado usa o que deveria guardar, o conceito de “futuras gerações” torna-se apenas retórica.
A questão é mais profunda do que uma falha de contabilidade. Revela uma cultura política que confunde gestão pública com conveniência política. Num país onde as escolas estão sem carteiras, os hospitais sem medicamentos e as estradas degradadas, a utilização indevida de dezenas de milhões de dólares não pode ser normalizada. Trinta e três milhões poderiam financiar centenas de salas de aula, abastecer centros de saúde ou garantir água potável a comunidades inteiras. Cada dólar mal explicado é uma promessa não cumprida.
O silêncio em torno das responsabilizações é talvez o aspeto mais inquietante deste episódio. Não há nomes. Não há sanções. Não há clareza. O dinheiro desaparece, e a transparência desaparece com ele. A impunidade deixou de ser exceção para se tornar parte do sistema.
Se o próprio Estado falha em proteger o dinheiro que pertence a todos, quem protegerá o futuro de Moçambique?
O desvio de 33,6 milhões de dólares não é apenas um número. É um aviso sobre o país que estamos a construir: um país onde a transparência é um discurso e não uma prática, e onde o futuro é gasto antes mesmo de chegar. Ainda há tempo para mudar o rumo, mas isso exige coragem, vontade política e um Estado que saiba guardar o que é de todos antes de falar em futuro.