Por: Gelva Aníbal
A violência obstétrica é uma realidade ainda pouco discutida em Moçambique, mas que afecta profundamente a saúde e a dignidade das mulheres. Trata-se de práticas abusivas e desrespeitosas cometidas por profissionais de saúde durante a gravidez, o parto e o pós-parto. Essas práticas vão desde humilhações verbais, negligência no atendimento, procedimentos médicos realizados sem consentimento, até situações mais graves como a remoção do útero sem autorização, ou a não entrega do corpo de recém-nascidos às famílias.
Os relatos mais frequentes incluem insultos durante o trabalho de parto, cobranças ilícitas para garantir atendimento, abandono em salas de parto e a realização de cesarianas ou episiotomias sem explicações claras ou consentimento informado.
Os casos mais emblemáticos ganharam espaço na imprensa e provocaram protestos. No Hospital Provincial da Matola, por exemplo, familiares denunciaram supostos roubos de bebés e até a retirada do útero de uma mulher sem o seu conhecimento. Em Maputo, mais de vinte casos foram formalmente reportados num único trimestre, mas apenas uma pequena parte chegou a processos judiciais, revelando as fragilidades do sistema de responsabilização. Muitas vítimas desistem de levar os casos adiante devido ao medo, à lentidão da justiça ou à descrença de que haja consequências para os agressores.
Em Moçambique, ainda não existe uma lei específica que tipifique a violência obstétrica como crime, o que cria lacunas jurídicas que dificultam a punição dos infratores. Quando há denúncias, estas frequentemente são tratadas como casos administrativos internos, resultando em advertências leves ou transferências de profissionais, em vez de sanções efetivas. Isso transmite à sociedade a mensagem de que a violência obstétrica não é levada a sério, perpetuando a impunidade. Para além da responsabilização criminal, também falta um sistema transparente de acompanhamento dos processos, de forma a garantir que os casos reportados não fiquem esquecidos. A ausência de mecanismos claros de compensação para as vítimas reforça ainda mais o sentimento de abandono e injustiça.
Esse cenário está relacionado a problemas estruturais do sistema de saúde, que incluem a sobrecarga das unidades, a falta de profissionais capacitados, o défice de recursos e uma cultura médica ainda marcada pelo paternalismo e pela autoridade absoluta do profissional sobre a paciente.
A persistência da violência obstétrica em Moçambique não é apenas uma questão de saúde, mas também de direitos humanos. Ela compromete a confiança das mulheres no sistema de saúde, gera traumas psicológicos e, em muitos casos, coloca vidas em risco. Sem responsabilização efetiva, as medidas de prevenção e sensibilização correm o risco de se tornarem palavras vazias. A humanização do parto e a proteção da mulher devem ser vistas como prioridades nacionais, porque um parto digno e respeitoso não é um privilégio, mas um direito fundamental.