1937-2025 Pinto da Costa e Futre: «Puxou do livro de cheques para nos pagar os 200 mil contos»

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Jorge Nuno Pinto da Costa morreu este sábado, aos 87 anos. Recordamos aqui histórias da vida do ex-presidente do FC Porto, muitas pelas suas próprias palavras

A fratura do perónio esquerdo de Gomes

A 14 de Maio de 1987, relvado principal das Antas, treino do FC Porto. Aos dez minutos, Fernando Gomes fez um carrinho, prendeu a bota na relva, caiu sobre a perna esquerda e logo se viu que era lesão gravíssima. Transportado de imediato ao Hospital de Santa Maria, foi radiografado, operado durante uma hora e engessado de pronto. Triste, falou com os jornalistas: «As lesões nunca surgem em boas alturas, mas esta, de facto, é mesmo inoportuna». Domingos Gomes, médico portista, traçou o diagnóstico: «Fratura do maléolo do perónio esquerdo e rotura dos ligamentos do lado externo do tornozelo. Paragem mínima de quatro meses». Gomes estava, pois, fora da final de Viena.

Maio de 1987

Tocar o céu na final de Viena

O Bayern comandava o campeonato alemão com seis pontos de avanço sobre o Hamburgo, o que dizia quase tudo sobre as dificuldades que esperavam o FC Porto na sua segunda final europeia, primeira na mais importante competição de clubes da UEFA. Além disso, os portistas tinham sofrido baixas importantes para o encontro decisivo (Fernando Gomes, Casagrande, Lima Pereira e Jaime Pacheco, todos com lesões de maior ou menor gravidade).

Talvez por esta súbita onda de ausências de jogadores-chave, o FC Porto entrou em campo aparentando medo do adversário. Medo do Bayern, medo dos jogadores do Bayern, medo do treinador do Bayern, medo por o estádio ter, maioritariamente, adeptos do Bayern. Talvez não fosse medo que os jogadores de Artur Jorge sentiam, mas era medo que, a quem os olhava de fora, pareciam ter.

E quando Kogl, num lapso da defesa portuguesa, marcou logo aos 24 minutos do primeiro tempo, pensou-se que seria complicado, excessivamente complicado, para os portistas inverterem a tendência do jogo.

Porém, ao intervalo, depois de o treinador portista ter tido eloquente conversa com os seus jogadores, o FC Porto que regressou ao relvado não era o mesmo: perdera o medo. Artur Jorge trocou Quim por Juary e a equipa ganhou, desde logo, mais velocidade e mais agressividade junto da baliza de Pfaff. Mais tarde, já depois da meia hora, vendo que o marcador não se alterava, o técnico portista jogou ainda mais forte: trocou o defesa Inácio pelo médio Frasco.

E aí, então, o FC Porto, que perdera o medo ao intervalo, ganhou ambição. E foi para cima do Bayern, em meia hora de verdadeiro hino ao futebol: Futre ameaçava por todos os lados, em sucessivas explosões de velocidade e talento; André parecia uma abelha-mestra, ajudando a meio-campo e fechando, na ausência de Inácio, o lado esquerdo da defesa; Frasco movia quase todos os cordelinhos do meio-campo. Faltava, apenas, o golpe de asa.

E esse golpe surgiu aos 78 minutos, quando Madjer, solto na área mas de costas para a baliza, lembrou-se de tentar o quase impossível: marcar de calcanhar. Marcou, empatou o jogo e insuflou ainda mais a ambição do FC Porto. Mas, infortunadamente, ficou tocado no lance e teve de sair pela linha lateral para ser recuperado pela equipa médica. Pouco depois, no entanto, ainda meio a coxear reentrou em campo e, mal o fez, recebeu a bola junto ao lado esquerdo do ataque portista.

Tocou-lhe com o pé direito, tocou-lhe com o pé esquerdo, passou por um alemão e cruzou milimetricamente para a entrada fulgurante de Juary: 1-2 a dez minutos do fim. A jogada de mestre de Artur Jorge resultara em pleno e, depois do duplo soco no estômago, o Bayern não mais se endireitou e o FC Porto, 31 anos depois de se estrear nas provas europeias e ao fim de 98 jogos, sagrava-se, finalmente, campeão da Europa, igualando as façanhas do Benfica dos anos sessenta. E Pinto da Costa, aos 49 anos, tornava-se campeão da Europa como presidente do FC Porto.

Maio de 1987

A bomba: «Vou parar!»

Dois dias depois do triunfo na Taça dos Campeões de 1987, Pinto da Costa fez revelação bombástica ao jornal L’Equipe: «Vou parar. No fim do época, já não serei o presidente do FC Porto. Quando há cinco anos apresentei a minha candidatura a este cargo tive este ‘slogan’ como campanha: ‘Votem Jorge Nuno Pinto da Costa, se quiserem um Porto forte em Portugal e na Europa’. Fiz o alargamento das Antas de 65 mil para 90 mil lugares. Fomos campeões em 1985 e 1986. Em 1984 fomos à final da Taça das Taças, agora conquistámos a Taça dos Campeões. Cumpri as minhas promessas e o meu trabalho terminou. Passo dez horas por dia a ocupar-me do clube, o que não é possível fazer durante muito tempo.»

Maio de 1987

Futre no Atlético Madrid!

Após a final da Taça dos Campeões Europeus de 1987, Paulo Futre passou a ser pretendido por diversos clubes de topo europeu. Mas houve um que se adiantou. E Pinto da Costa explicou as negociações: «Futre não podia ser vendido a nenhum outro clube sem o FC Porto ser consultado e, em Portugal, não poderia alinhar noutro clube a não ser no FC Porto. Já há muito que o Atlético se tinha mostrado interessado no Futre. Quando o Paulo veio para o FC Porto, firmámos um contrato com ele em que havia uma cláusula de que ele poderia livremente transferir-se para o estrangeiro com uma pequena indemnização ao FC Porto. Um ano depois, fizemos a revisão desse contrato e essa cláusula, devido à melhoria substancial do jogador, foi aumentada para cerca de 200 mil contos. Quer dizer que qualquer clube que pagasse essa verba poderia livremente ficar com Futre. Em maio de 1987, Jesus Gil apareceu no Porto acompanhado de um advogado e de um empresário disposto a pagar com um cheque os 200 mil contos ao FC Porto. Chegaram numa sexta-feira à tarde, tiveram comigo uma primeira reunião no sábado de manhã. Entretanto reuni-me com o Futre e fizemos um novo contrato em que essa cláusula de retenção desaparecia e, quando Gil puxou do livro de cheques para nos pagar os 200 mil contos, já não era suficiente porque a cláusula tinha desaparecido. O Atlético, no entanto, não desarmou e, consciente de que a cláusula tinha desaparecido, voltou a contactar-nos, não para levar Futre, mas para negociar as condições de cedência. Infelizmente, tivemos de aceitar as negociações, pois o contrato que ele tinha firmado não dava a hipótese de o manter. Quando estava iminente a perda de Futre a troco de 200 mil contos conseguimos, em apenas três semanas, melhorar as condições de ambas as partes e fiquei muito satisfeito por ter corrido um risco muito grande, mas posso garantir que me tirou muitas horas de sono.»

Julho de 1987

Adiar ou não o jogo de Tóquio

A realização da final da Taça Intercontinental entre FC Porto e Peñarol, realizada no Japão, foi assim detalhada por Pinto da Costa: «Foi muito interessante porque, na véspera, estava um dia de sol fantástico e de manhã, quando acordámos, estava tudo branco, cheio de neve. E colocou-se um problema: jogar ou não jogar. Se não jogássemos, o jogo seria adiado para março ou abril, altura em que o nosso campeonato estaria no auge. O Peñarol não queria jogar, porque nunca tinham jogado na neve; nós também não, mas eu tinha a convicção de que íamos ganhar e os nossos jogadores queriam era ganhar, com neve ou não. O Ivic, nosso treinador, queria saber o que eu achava e eu disse que, se o Peñarol não queria jogar, era uma vantagem psicológica para nós. O árbitro era austríaco [Franz Wöhrer] e estava na dúvida se devia ou não haver o jogo, pois estava com medo de não aguentar um jogo naquela neve toda. Porém, como eu tinha lido que ele acabava a carreira a 31 de dezembro desse ano [tinha 48 anos], quando me perguntou o que achava, eu disse que seria um crime ele adiar o jogo para março ou abril, dado que depois seria outro árbitro a fazer o jogo. E ele disse: «Realmente é verdade.» E o jogo foi feito.

Dezembro de 1987

A doença do filho Alexandre

A 13 de janeiro de 1988, depois da vitória do FC Porto sobre o Ajax (1-0), na segunda mão da Supertaça Europeia, Pinto da Costa falou sobre o filho Alexandre: «Dedico este triunfo ao meu filho Alexandre, que por motivos de saúde não pode estar presente, ele que é o maior portista que conheço…»

Janeiro de 1988

Fernando Martins, «grande presidente»

Pinto da Costa e Fernando Martins, presidente do Benfica entre 1981 e 1987, eram grandes amigos. «Tenho razão quando discordo do que se tem dito sobre Fernando Martins, que, como presidente do Benfica, só foi mau para os jogadores, tirando partido da ‘guerra’ FC Porto-Sporting, que obrigava os dois clubes a pagarem mil e mais contos por mês a cada jogador, enquanto ele, Fernando Martins, só lhes pagava duzentos ou trezentos contos. Mas, para o Benfica, o Fernando Martins foi um grande presidente, não apenas pelo aproveitamento que soube fazer daquela ‘guerra’, mas também e sobretudo porque ganhou Portugal, chegou a uma final europeia e fez uma bela obra no Estádio do clube», realçou já Martins não era presidente dos encarnados.

Agosto de 1988

Yustrich e Pedroto

A 29 de setembro de 1993, durante o jantar entre direções antes do Floriana-FC Porto (0-0) da 2.ª mão, 1.ª eliminatória da Liga dos Campeões, os dirigentes do Floriana ofereceram um bolo de aniversário pelos 100 anos de vida do FC Porto. Pinto da Costa falou daqueles que considerou serem os dois treinadores mais importantes da vida do clube: «Yustrich porque abanou o clube e lutou contra a subalternização e José Maria Pedroto pela consolidação da nossa estratégia: neles homenageio todos os treinadores que passaram pelo FC Porto».

Setembro de 1988

Quinito e a pressão

Quinito esteve no FC Porto entre junho e novembro de 1988. Pinto da Costa diz que o treinador não aguentou a pressão: «O Quinito tinha feito excelente época no Espinho e tinha mostrado que possuía grande potencial, mas talvez não estivesse preparado para ser treinador do FC Porto. Não em termos de qualidade, mas em termos psicológicos. Quando ele, na apresentação como treinador, afirmou que era Gomes e mais 10, tirou logo qualquer veleidade a outro de poder jogar naquele lugar. Depois disse, ainda na apresentação, que tinha vontade era de pedir autógrafos aos jogadores. Aí, estremeci. Se diz que quer pedir autógrafos aos jogadores, como pode ter grande influência e grande autoridade sobre os jogadores? As coisas não correram bem e o Quinito ficou profundamente marcado com a derrota com o PSV por 0-5. Mal o jogo terminou, ainda no balneário, apresentou a admissão. Não aceitei. A seguir, fomos jogar a Fafe e empatámos a zero, jogámos para a Taça nas Antas com o Vilafranquense e foi uma exibição triste, triste, com a equipa derrotada e vencida, só ganhando perto do final. Houve grande assobiadela e ele voltou a pedir admissão e eu voltei a não aceitar. Foi para Setúbal e, quando voltou, pediu de novo a demissão e disse que já não dava o treino dessa manhã, argumentando que não tinha condições nem força para continuar. Aceitei e assumiu o Murça até ao segundo jogo com o PSV. Como pessoa, o Quinito foi exemplar. Estipulámos uma verba mensal que ele ficaria a receber e um dia convidou-me para ir jantar no Sheraton. Estávamos a jantar e disse-lhe: ‘Olhe, Quinito, tenho aqui o cheque do mês passado’. Ele respondeu: ‘Não, não, presidente, já não aceito, porque este jantar é para lhe dizer que vou para o Marítimo e não quero mais dinheiro do FC Porto, estando a trabalhar.’»

Novembro de 1988

Fonte: A Bola

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