Risco climático é financeiro e tem de ser gerido como tal — Sofia Santos lança repto ao sistema financeiro moçambicano

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Numa altura em que os impactos das alterações climáticas se tornam cada vez mais visíveis e recorrentes, sobretudo em países com maior fragilidade estrutural, a economista e consultora internacional Sofia Santos, em entrevista ao O.Económico, levanta um alerta inadiável: o risco climático deixou de ser uma questão ambiental periférica para se assumir, hoje, como uma variável central e transversal no coração da análise financeira e estratégica.

De visita a Moçambique, um dos países africanos mais vulneráveis aos impactos climáticos extremos, Sofia Santos advoga que as instituições financeiras — bancos, seguradoras, gestoras de activos — devem incorporar o risco climático como uma nova classe de risco estrutural, com tratamento equivalente ao risco de crédito, de mercado ou de liquidez.

“Não se trata apenas de reconhecer que o clima está a mudar. Trata-se de perceber que essa mudança altera o perfil de risco dos activos, dos sectores e das comunidades. E o sistema financeiro não pode ignorar esse novo paradigma.”

O risco climático não é uma possibilidade — é um dado da realidade económica

Moçambique tem sido ciclicamente assolado por fenómenos extremos — ciclones devastadores, cheias recorrentes, secas prolongadas — que afectam a agricultura, a infra-estrutura, os assentamentos humanos e a estabilidade macroeconómica. Segundo Sofia Santos, a incapacidade de integrar estes factores nos modelos de risco financeiro torna o próprio sistema financeiro parte do problema, ao perpetuar uma lógica de financiamento insensível à realidade climática.

“As intempéries não vão parar. O desafio é encontrar formas para que as actividades económicas, os sistemas produtivos e a própria arquitectura financeira se tornem mais resilientes. E esse é um trabalho que começa nos modelos de análise de risco dos bancos e das seguradoras.”

A consultora é clara: o risco climático não é um risco futuro, mas presente — e, por isso, deve ser antecipado nas decisões de financiamento, na precificação de activos, na avaliação de garantias, nos seguros, e até nos modelos de desenvolvimento urbano e rural.

Sustentabilidade não é um apêndice: é o centro da estratégia

Um dos pontos estruturantes da visão de Sofia Santos é o princípio de que não pode haver dicotomia entre estratégia de negócio e estratégia de sustentabilidade. Esta deve ser intrínseca, transversal e operacional, orientando decisões, investimentos e relacionamentos com clientes e parceiros.

“As instituições devem mapear os seus impactos negativos e positivos, na sua cadeia de valor, e definir objectivos concretos para minimizar uns e potenciar os outros. Não se trata de responsabilidade social. Trata-se de gestão estratégica com base em dados e visão de longo prazo.”

Este alinhamento passa pela incorporação de critérios ESG — ambientais, sociais e de governação — não como uma obrigação de reporte, mas como métrica de desempenho e resiliência empresarial.

Uma nova cultura regulatória está em marcha — e é inevitável

Para Sofia Santos, há um movimento regulatório global em curso, iniciado em 2019, com a publicação do primeiro documento oficial de uma rede internacional de bancos centrais reconhecendo as alterações climáticas como fonte de risco financeiro sistémico.

Desde então, os reguladores começaram a emitir orientações para que os supervisores e os actores do sistema financeiro desenvolvam planos de gestão do risco climático. Em muitos casos, estas orientações são ainda voluntárias — mas a tendência aponta, inevitavelmente, para a obrigatoriedade.

“O caminho é claro: o sector financeiro terá, no futuro próximo, de reportar as suas práticas ambientais, sociais e de governação, lado a lado com os reportes financeiros tradicionais.”

Esse processo, embora progressivo, exigirá uma revisão profunda de processos, estruturas e competências internas, além da criação de produtos financeiros adaptados a uma economia em transição climática.

África, e Moçambique em particular, podem ser espaços de inovação climática

Apesar dos desafios estruturais, Sofia Santos vê em África, e em Moçambique em particular, um terreno fértil para inovação em finanças sustentáveis. Destaca, por exemplo, o papel crescente de bancos centrais africanos na produção de normativos, a criação de equipas internas dedicadas ao risco climático em bancos comerciais, e o surgimento de seguros e produtos financeiros orientados para adaptação e mitigação.

“Moçambique pode posicionar-se na linha da frente do desenvolvimento de soluções financeiras verdes, ajustadas à sua realidade. Há apoios internacionais disponíveis. Mas é necessário que haja vontade política, técnica e institucional para aprender, colaborar e actuar com ambição.”

O tempo de actuar é agora

A mensagem é clara: o risco climático não é um risco futuro, é um risco actual e financeiro. A sua incorporação no sistema financeiro moçambicano é uma questão de sobrevivência económica e de responsabilidade intergeracional.

“O que está em causa não é apenas a gestão do risco, mas a viabilidade do próprio desenvolvimento sustentável. A economia que não se adapta ao clima será destruída por ele.”

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p style=”margin-top: 0in;text-align: justify;background-image: initial;background-position: initial;background-size: initial;background-repeat: initial;background-attachment: initial”>Neste contexto, Moçambique tem tudo para ser não apenas um país vulnerável, mas um laboratório de soluções financeiras resilientes, inclusivas e climática e socialmente responsáveis. A escolha é colectiva — e o momento é agora.

Fonte: O Económico

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