Desliga o avião, liga o juízo!
Por: Sara Seda
Era uma vez um cidadão com 20 meticais no bolso e um sonho: levantar voo. Não num Boeing, claro, falo do “Aviator”, roletas e casas de apostas online. O novo jogo nacional que une adrenalina, fé cega e o desejo incontrolável de ter dinheiro, basta um clique e lá vai o aviãozinho a subir acompanhado da reza para não cair, e torcer para que a sorte não seja só dos outros, mas há um detalhe que os anúncios luminosos, os outdoors provocadores e os “influencers” motivacionais não contam: neste jogo, quem sempre ganha… nem joga. Lucram com o desespero de quem joga.
No início, há quem joga “só por diversão”, por curiosidade, depois, “para recuperar o que perdeu”, e quando percebe, já está a vender o micro-ondas para carregar a conta no site. A promessa? Ficar rico antes do fim do mês. A realidade? Ficar sem dinheiro antes do fim do dia. a culpa? É sempre da sorte.
O verdadeiro milionário da história é o dono da plataforma. Esse nunca precisou de apostar, não precisa rezar para o avião subir, não perde o jantar, não perde sono, não perde amigos, não perde dinheiro, não discute com a esposa por causa de uma “pequena aposta” que afinal eram todas. Ele só conta o lucro, só ganha, lucra com cada clique, cada deslize, cada “última tentativa”. Enquanto isso, há quem conta derrotas, ou pior, conta mentiras à família, a mulher começa a perguntar por que o salário acabou no dia 10, a mãe já notou que o filho não larga o telefone nem para ir à casa de banho.
Nas ruas, outdoors gritam: “Aposte agora e mude de vida!”, o telefone está sempre cheio de esperança e notificações: “Bónus disponível”, “Última chance!”, “Faz o teu primeiro depósito!”. Nas redes sociais, continua o desfile e a falsa sensação de controlo: “Ganhei 10 mil meticais numa manhã”, dizem, mas ninguém mostra as 30 manhãs anteriores em que perderam tudo. Há quem ganhe, sim, só que por cada sortudo que tira 10 mil num clique, há centenas a perder o almoço, a cabeça e, em casos mais sérios, a vida.
O mais irónico? O Estado ainda ganha com isso, cobra impostos, licencia plataformas e depois aparece a dizer que “a juventude está perdida”. Perdida está, sim, mas no meio de promessas falsas de fortuna digital. E no fim, o que sobra? Jovens frustrados, trabalhadores endividados, famílias em conflito e uma sociedade que está a trocar esforço por esperança em tempo real. Por isso, da próxima vez que te disserem que é só “um joguinho para descontrair”, lembra-te: estás a apostar a tua vida. Ele, o dono da plataforma, está a fazer negócio.