O assédio sexual na maior e mais antiga instituição pública de ensino superior em Moçambique constitui um problema que exige soluções urgentes.
No centro deste escândalo, surgem vozes femininas que, apesar do medo, decidiram falar.
Maria Júlio, estudante da UEM, partilha um episódio que resume a dor de muitas: “O professor ameaçava-me. Até chegou a excluir-me, por não ceder aos seus apetites sexuais, mas, graças a Deus, tinha minhas provas guardadas, e consegui dispensar a cadeira.”
Outra estudante descreve como, em certos casos, há conluio entre docentes para retaliar contra as estudantes que resistem aos avanços indesejados. “Quando um não consegue, outros se juntam para nos prejudicar, nos chumbando na cadeira do amigo”, denunciou Érica Cumbe.
Para muitas, o trauma vai além da sala de aula. É um fardo que carregam todos os dias pelos corredores da universidade e temem danos irreversíveis.
De acordo com Gracinda Mataveia, directora dos Assuntos de Género na UEM, as estudantes do primeiro ano são as principais vítimas.
“Chegam sem saber a quem recorrer, pensam que o professor quer o seu bem, mas quer-se aproveitar delas, depois começa a chamar para comer hambúrguer, e mensagens que nem posso citar”, afirmou Mataveia.
Mesmo após a aprovação do Regulamento de Prevenção e Combate ao Assédio Sexual, que estabeleceu mecanismos formais de denúncia e punição, o medo ainda domina.
“Denunciamos, mas até hoje não sei o que foi feito. Nunca tivemos resposta”, lamenta Carla José.
Érica Cumbe diz que o silêncio nem sempre é escolha, mas instinto de sobrevivência em prol do futuro académico.
“Vivemos na sombra do medo, não porque queremos, mas porque não confiamos no poder da denúncia.”
Outro obstáculo, segundo uma estudante, é a cultura de impunidade, alimentada pela arrogância de certos professores.
“Há docentes que se dizem intocáveis. Isso retrai qualquer tentativa de denúncia”, afirma Gilda Moiane, estudante do segundo ano.
Perante a gravidade do problema, a direcção da universidade diz estar a reforçar o combate ao fenómeno. Segundo a instituição, uma das novas medidas será a divulgação pública da identidade dos docentes envolvidos.
“A ideia é que os agressores não se escondam atrás do anonimato. Temos de proteger as vítimas e responsabilizar os culpados”, afirmou Mataveia.
A UEM reforça que este é um passo decisivo para restaurar a confiança da comunidade estudantil.
As declarações foram feitas nesta terça-feira, durante um debate franco, na Cidade de Maputo, que juntou estudantes, professores e funcionários, sob o lema: “Assédio Sexual na UEM: Eficácia, Desafios e Perspectivas dos Mecanismos de Prevenção e Combate”.
Neste ano, a UEM tem seis novos casos em investigação, cinco dos quais ainda aguardam decisão nos órgãos competentes, incluindo o Gabinete Jurídico.
Fonte: O País