O especialista em recursos naturais destaca o impacto económico e institucional da nova fase do projecto Coral Norte, defendendo que o país precisa de maior capacidade técnica, transparência e planeamento para transformar o potencial do gás em desenvolvimento sustentável.
O especialista em recursos naturais José Mendes considera que a Decisão Final de Investimento (DFI) do Projecto Coral Norte, assinada entre o Governo de Moçambique e a ENI Rovuma Basin, “representa um marco histórico” para o país. Em entrevista ao Semanário Económico, Mendes sublinhou que a nova unidade flutuante de gás natural liquefeito reforça a posição de Moçambique no mercado global de energia, mas adverte que “sem governação, transparência e planificação estratégica, o impacto pode ser limitado e desigual”.
A aprovação do Coral Norte, avaliado em 7,2 mil milhões de dólares, ocorre sete anos após a entrada em operação do Coral Sul FLNG, o primeiro projecto de gás natural liquefeito em águas ultraprofundas de África.
Para José Mendes, o novo investimento “prova que Moçambique é hoje um actor confiável na cadeia global do gás natural” e que o país “soube ganhar a confiança das majors” após o êxito operacional do Coral Sul.
“O Coral Norte é mais do que um projecto industrial. É uma demonstração de confiança internacional em Moçambique e um activo estratégico que consolida a nossa reputação como fornecedor de energia segura e competitiva”, afirma.
Contudo, o especialista sublinha que o desafio agora é assegurar a maximização dos ganhos nacionais.
“O país precisa de aprender com o Coral Sul. A produção e exportação de gás trazem receitas, mas o valor real está na capacidade de criar ligações com a economia doméstica — indústria, logística, engenharia, formação e serviços especializados.”
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p style=”margin-top: 0in;text-align: justify;background-image: initial;background-position: initial;background-size: initial;background-repeat: initial;background-attachment: initial”>Mendes alerta que, até ao momento, “as sinergias com as pequenas e médias empresas moçambicanas continuam limitadas”, e que a política de conteúdo local deve ser mais exigente e fiscalizada, sob pena de “o país continuar a ser mero fornecedor de recursos e não de valor acrescentado”.
Governança e Sustentabilidade
Apesar do optimismo, José Mendes faz uma leitura cautelosa sobre os desafios de governança.
“O Estado ainda não consolidou um sistema de gestão de receitas do gás transparente e previsível. Há fragilidades institucionais, sobreposição de competências e falta de coordenação entre os actores públicos.”
Segundo o especialista, a criação do Fundo Soberano representa um passo positivo, mas insuficiente se não houver regras claras de alocação e investimento.
“Precisamos de um modelo de gestão que vá além da acumulação de reservas. O Fundo Soberano deve ser um instrumento de investimento produtivo, capaz de transformar as receitas do gás em capital humano, infra-estrutura e tecnologia.”
Mendes defende ainda que o planeamento energético nacional precisa de ser actualizado para reflectir o novo papel do país.
“Não podemos continuar a depender de decisões empresariais isoladas. É preciso uma estratégia de longo prazo que articule exploração, consumo interno e transição energética. O gás deve ser o motor da industrialização, não apenas um produto de exportação.”
Impactos Económicos e Estratégicos
Com o Coral Norte, a capacidade total de produção de gás liquefeito de Moçambique ultrapassará 6,5 milhões de toneladas por ano, reforçando o peso do país no mercado asiático e europeu.
“Esta nova plataforma cria espaço fiscal e externo para o país. Melhora a balança de pagamentos, estabiliza o metical e gera receitas fiscais cruciais para a consolidação orçamental”, explica Mendes.
O especialista, contudo, adverte para o risco de dependência excessiva das receitas do gás.
“O desafio é diversificar. As receitas devem ser canalizadas para sectores produtivos e para o investimento em capital humano. Caso contrário, Moçambique corre o risco de repetir o ciclo de dependência e volatilidade que afectou outras economias baseadas em recursos.”
Entre Expectativas e Responsabilidade
Para José Mendes, o FID do Coral Norte marca o início de um novo ciclo energético e económico, mas exige liderança, prudência e visão estratégica.
“O gás natural não é um fim em si mesmo; é um meio para construir uma economia diversificada e moderna. O sucesso do Coral Norte dependerá da qualidade das instituições, da transparência dos contratos e da inclusão do empresariado moçambicano.”
O especialista conclui que o momento é de esperança realista:
“Temos motivos para celebrar, mas também para planear com rigor. A riqueza do gás só se traduzirá em desenvolvimento se for gerida com responsabilidade e visão de futuro.”
Fonte: O Económico