Académicos alertam que Direito moçambicano tende a ficar ultrapassado

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Os académicos moçambicanos Severino Ngoenha, Benjamim Alfredo e Teodoro Waty  defendem a necessidade de o país repensar o Direito leccionado e aplicado, sob pena de este ficar ultrapassado. Segundo os estudiosos, Moçambique pode estar a perder nas negociações de contratos internacionais, devido à desactualização do seu sistema judiciário.

“O Direito na construção de Moçambique: conquistas, desafios e perspectivas” foi o tema da mesa-redonda promovida pela Universidade Eduardo Mondlane. No centro do debate, estiveram Benjamim Alfredo, Teodoro Waty e Severino Ngoenha, que expuseram as suas ideias e visões sobre a qualidade do Direito no país, 50 anos após a independência.

Benjamim Alfredo, profundo conhecedor do Direito nacional, considera que o sistema moçambicano se encontra ultrapassado e limitado, defendendo ser urgente uma mudança de paradigma no ensino e na aplicação da justiça.

“O nosso Direito acaba por revelar limitações quando os contratos assinados com empresas multinacionais incluem cláusulas oriundas de sistemas jurídicos totalmente diferentes do nosso. Temos imensa dificuldade em interpretar e, sobretudo, compreender o alcance e o objectivo dessas cláusulas. Porquê? Porque o nosso ensino continua demasiado preso ao sistema romano-germânico”, afirmou o académico.

Para Alfredo, não apenas está em causa a identidade jurídica do país: o Direito moçambicano, na sua perspectiva, já não consegue dar resposta aos problemas da sociedade.

“Mesmo aqueles que criaram o sistema romano-germânico já o estão a abandonar. Na Europa, já não existe esta rigidez de dizer que o sistema é este ou aquele. Temos de repensar o Direito também na perspectiva de que ele não serve apenas para nos relacionarmos com o mundo, mas, em primeiro lugar, para resolvermos os nossos próprios problemas”, defendeu.

Já o docente universitário Teodoro Waty sublinhou que o Direito é fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade, mas que em Moçambique carece de um reajuste profundo, uma vez que identifica os problemas mas não consegue oferecer soluções.

“O Direito tem vindo a identificar a corrupção, mas não implementa políticas de boa governação e transparência para a combater. O Direito procura a pacificação, mas não percebe que os conflitos e a instabilidade interrompem a execução das políticas e desviam recursos e capacidades para a segurança, em detrimento do desenvolvimento”, disse Waty, lançando críticas severas ao sistema.

O académico alertou ainda para a fragilidade das leis moçambicanas. “Em determinados momentos, para garantir certeza e segurança jurídicas, a lei apresenta disposições ambíguas, o que leva a interpretações variadas e inconsistentes, resultando em decisões injustas e desiguais. O Direito, qual rei nu, está sujeito a pressões externas, que se traduzem num baixo nível de conformidade”, lamentou.

Por sua vez, Severino Ngoenha reflectiu sobre os dilemas do sistema jurídico nacional, sublinhando a discrepância entre as normas aplicadas e os costumes sociais do país.

“Parece existir uma discrepância enorme entre o nosso Direito positivo e a nossa sociologia e antropologia. Podemos falar de uma geografia assimétrica do Direito: os nomes que usamos e as leis que temos não são extraídos das nossas culturas, mas impostos a partir de modelos estrangeiros”, argumentou.

A mesa-redonda realizou-se no âmbito das comemorações dos 50 anos da Independência Nacional e das reflexões em torno da melhoria dos serviços e políticas públicas.

Fonte: O País

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