Questões-Chave:
Apesar do discurso global sobre uma transição energética inclusiva e sustentável, África continua na periferia da transformação. O mais recente relatório da Agência Internacional de Energia (AIE) mostra que o continente africano permanece severamente subfinanciado, com profundas desigualdades regionais e um ritmo de progresso muito aquém dos compromissos internacionais de acesso universal à energia até 2030.
A África apresenta fortes desequilíbrios regionais. Países do Norte de África e a África do Sul, que somam menos de 20% da população continental, concentram mais de 45% do investimento energético e 65% da capacidade eléctrica instalada. Já a África Subsaariana, onde se encontra a maior parte da população, permanece com acesso limitado à electricidade fiável e recebe uma fatia mínima do capital investido.
O avanço nas novas ligações tem sido lento: mais de 600 milhões de pessoas continuam sem acesso à electricidade, e mais de mil milhões dependem de métodos poluentes e inseguros para cozinhar — um indicador claro do fracasso da promessa global de acesso universal à energia limpa.
Transição em Marcha, mas Fora do Centro
Nos últimos 10 anos, metade do investimento energético em África foi canalizado para petróleo e gás, com foco na exportação. Os investimentos em energia limpa mantiveram-se praticamente estagnados até 2021, com valores abaixo dos 30 mil milhões de dólares anuais. Contudo, custos tecnológicos mais baixos e o reconhecimento do solar fotovoltaico como a fonte de energia mais barata em muitos países africanos começaram a mudar o cenário.
Desde 2019, o investimento privado em energia limpa triplicou, subindo de 17 mil milhões para quase 40 mil milhões de dólares em 2024 — um sinal positivo, mas ainda insuficiente.
Financiamento Público em Queda e o Efeito da Retirada Chinesa
Um dos dados mais preocupantes é a redução de um terço no financiamento público e institucional para energia em África, que caiu para 20 mil milhões em 2024. A maior parte desta quebra está associada à diminuição em mais de 85% do financiamento das instituições financeiras chinesas de desenvolvimento, que eram actores centrais na década anterior.
Estes fundos públicos e concessionais são particularmente importantes para mercados emergentes, tecnologias em estágio inicial ou regiões de baixo retorno comercial, onde o sector privado tem pouca capacidade ou interesse em intervir.
Capital de Risco: Promessa e Limites
O relatório destaca o papel das firmas de capital de risco e private equity, que têm financiado projectos de acesso à energia em pequena escala — sobretudo em solar fora da rede (off-grid). Desde 2015, 40% do capital destinado a start-ups de acesso energético foi proveniente de capital de risco.
No entanto, o valor médio dos investimentos permanece baixo (cerca de 7 milhões de dólares por projecto), e os receios de rentabilidade levaram a uma reorientação para sectores emergentes, como os veículos eléctricos (com 70 milhões investidos em 2023) e energia solar para uso comercial e industrial, considerados mais seguros do que o mercado residencial.
Uma Transição Incompleta: O Que Falta Fazer?
A AIE é clara: sem um aumento coordenado do financiamento público internacional e políticas nacionais ambiciosas, África corre o risco de ficar estruturalmente excluída da nova era energética.
Entre as recomendações constam:
O novo paradigma energético global está em construção — mas sem África na equação, não haverá verdadeira transição nem justiça climática. Moçambique e os seus parceiros regionais devem posicionar-se com ambição, usando os dados da AIE como base para um novo plano estratégico de atracção de investimento, criação de infra-estruturas e expansão do acesso energético.
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p style=”margin-top: 0in;text-align: justify;background-image: initial;background-position: initial;background-size: initial;background-repeat: initial;background-attachment: initial”>A transição energética não é apenas sobre carbono. É sobre quem tem acesso à energia, a que custo e com que impacto social. E neste momento, a exclusão de África não é um detalhe — é um abismo.
Fonte: O Económico