Depois da crise financeira global, reguladores reforçaram os requisitos de capital e a supervisão dos bancos. O sistema bancário ganhou robustez, mas essa mesma transformação abriu caminho para novos protagonistas.
Hoje, grande parte da liquidez diária dos mercados já não provém dos bancos, mas de fundos de investimento. Fundos mútuos e ETFs oferecem resgates diários a investidores, embora sustentados em activos como obrigações corporativas, notoriamente ilíquidos. Na prática, prometem liquidez imediata sem dispor de mecanismos de seguro de depósitos ou acesso directo aos bancos centrais.
Em períodos de volatilidade, estes fundos podem tornar-se amplificadores de choques: são forçados a vender activos ilíquidos em mercados em queda, agravando a instabilidade. Os ETFs adicionam outra camada de complexidade: embora sejam maioritariamente indexados, o seu funcionamento real exige arbitragem activa de preços e liquidez, dependente de intermediários especializados. Quando estes perdem capacidade de balanço, a arbitragem falha e os preços afastam-se dos activos subjacentes.
O crédito também mudou de mãos. O uso de inteligência artificial e big data permitiu que fintechs e grandes plataformas digitais (como Ant Group, Amazon ou Mercado Libre) expandissem a concessão de empréstimos a consumidores e pequenas empresas. Para milhões de comerciantes, as “pegadas digitais” substituem hoje o colateral: quem usa pagamentos digitais e registos electrónicos detalhados consegue empréstimos mais baratos e com menor risco de incumprimento. Contudo, esta revolução vem acompanhada de riscos de concentração excessiva: as plataformas que dominam o “botão de checkout” também controlam o acesso ao crédito.
No campo dos pagamentos, a promessa original das criptomoedas nunca se concretizou — demasiado lentas, caras e voláteis. Mas as stablecoins trouxeram novo dinamismo, funcionando como meios de pagamento alternativos em economias sob pressão inflacionária, como a Argentina ou a Venezuela. Com capitalização superior a 200 mil milhões de dólares, USDT e USDC já se tornaram elementos relevantes nos fluxos de pagamentos internacionais. Ainda assim, operam sem seguro de depósitos ou garantias de emprestador de último recurso, mantendo-se vulneráveis a “corridas digitais”.
Em paralelo, sistemas de pagamentos instantâneos patrocinados por bancos centrais, como o Pix no Brasil ou a UPI na Índia, ganharam escala impressionante e provaram ser mais rápidos e inclusivos que os criptoativos. No entanto, trazem efeitos colaterais: obrigam bancos a manter mais liquidez imediata, reduzindo capacidade de crédito e, paradoxalmente, incentivando maior procura de risco em outros segmentos.
Implicações Macro-Financeiras
Yao Zeng identifica três grandes desafios:
As inovações financeiras democratizaram o acesso, reduziram custos e aceleraram transacções. Porém, criaram um sistema mais rápido, fragmentado e menos protegido. O risco não desapareceu; mudou de lugar e tornou-se menos visível. A questão central para os reguladores é como reconfigurar a supervisão e os instrumentos de estabilidade para um mundo em que liquidez, crédito e pagamentos já não residem apenas nos bancos, mas num ecossistema difuso, dominado por fundos, fintechs, big techs e activos digitais.
Fonte: O Económico